domingo, 23 de março de 2008

57.

Foto de M

Transparência, opacidade e a sua aparente incompatibilidade.


Às vezes morremos devagarinho uns nos outros por não nos amarmos o suficiente para nos termos.
M

sexta-feira, 21 de março de 2008

56.

Foto de M

Ainda os objectos e nós.
É dela que me lembro hoje, e do seu modo muito particular de fazer com que uma flor nos sorria de dentro de um copo de água vulgar.
M

55.


Foto de M

Gosto do gesto tímido da Primavera oferecendo-se pouco a pouco ao mundo num verde tenro de vida.
M

domingo, 16 de março de 2008

54.

Foto de M

Tem aquele hábito de se compor para sair, o meu irmão. Os gestos dele são lentos, absortos em reflexões, e é demorado o seu gesto de segurar o chapéu na mão e de o levar à cabeça. Quase parece que o afeiçoa, pelo modo como lhe toca enquanto não o acomoda nos lugares que lhe consagra. Pensados ao pormenor, julgo eu, como se o chapéu fosse um prolongamento do seu corpo, que convém tratar com esmero. Ou como alguém com vida própria que lhe serve de companhia nos passos que vai dando pelos dias que o ocupam.
Quando me sentei no carro, estava poisado no assento a meu lado. Eu tinha observado o cuidado com que o meu irmão compusera o espaço que lhe reservara. Um espaço limpo e adequado, o chapéu-de-chuva colocado no chão, o saco do jornal de sábado ao alto, de encontro às costas do banco. Achei graça a vê-lo ali, tão preservado, e senti-o como presença humana a acompanhar-nos durante o trajecto, ainda que imóvel, ouvindo como nós a voz magnífica de Antony Hegarty. De vez em quando eu olhava‑o, como se olha para quem vai ao nosso lado em viagem e, não fosse a música a aconselhar-nos silêncio, creio que teria metido conversa com o chapéu. Ter-lhe-ia dito o que me ia na cabeça a respeito da ligação entre as pessoas e os objectos e do fascínio que essas congeminações me trazem. A reacção dele não sei qual seria, mas imagino que, se me compreendesse as palavras, manteria diálogo comigo, ajudando-me porventura a entender melhor estas coisas de gentes com objectos dentro das nossas existências.
M

sábado, 1 de março de 2008

53.

Foto de M

A curva de um silêncio que me fala da natureza das coisas e me faz companhia como um animal de estimação.

(Nem cão nem gato. O meu é pato de história de crianças, oferecido por mãos de meninos num tempo que foi meu e deles.)

Para mim, o silêncio é um corpo que se move no espaço, em diálogo íntimo com os pensamentos e as coisas. Quase que uma dança, qualquer que seja a sua amplitude, onde encontro gestos desenhando curvas e imagens. E onde encontro palavras ditas e ouvidas, minhas e de outros, nessa neblina que as envolve e lhes pertence. Não sendo estático nem linear, porque vivo, o meu silêncio descobre perspectivas e gradações diversas do mundo e entrelaça-as com as memórias que moram dentro de mim. Um caminho mental que percorro, particular e de certo modo solitário, ainda que, por outro lado, acompanhado. É como ter um animal de estimação…
M