domingo, 27 de abril de 2008

64.






















Foto de M


Guardar no rosto uma expressão definitiva e sentir no corpo o abandono dos trapos.
Às vezes apetece.
M

sábado, 26 de abril de 2008

63.






















Foto de M

Pergunto-me o que leva algumas pessoas a coleccionar bengalas, como se precisassem de amparar todas as partes do corpo de uma vez só. E isto, claro, partindo eu do princípio de que elas têm a função de acompanhar os passos trôpegos de alguém. Nem sempre, dir-me-ão. É verdade, por vezes são apenas objectos de arte que dá prazer ter em casa como decoração. Ou relíquias de outras épocas, ou modas em que as bengalas parecem ser um adereço a combinar com o fato escolhido para o passeio do dia, sendo as suas características mais ou menos ergonómicas consideradas de importância relativa. Mas isso não interessa, pelo menos aparentemente, suponho. Prevalecerão a estética, ou a fantasia, sobre o incómodo que deve ser, por exemplo, passear durante muito tempo com a mão apoiada sobre a cabeça de um cachorro talhado em madeira tosca. Gesto adoptado de bom grado, porém, na falta do cão de verdade que se desejaria afagar e levar a passear pelas ruas do bairro. À solta o pensamento e livre a caminhada, guardada a trela no bolso do blusão, que a liberdade tem que ser vivida a dois e basta a obediência adivinhada na voz do dono para acautelar desatinos caninos.
Sim, são divagações minhas, eu sei. Mas como é que eu posso ter certezas se neste ramalhete de bengalas elas têm, na sua maioria, a forma de pontos de interrogação?
M

sexta-feira, 25 de abril de 2008

62.

Foto de M

Um sussurro de vento e elas tocarão como sininhos de cristal suspensos sobre berços de meninos.
M

sábado, 19 de abril de 2008

61.

Foto de M

Braços estendidos para o infinito, um aceno na ponta dos dedos: a vida compondo-se na fantasia terrena de perenidade.
M

sexta-feira, 11 de abril de 2008

60.


Foto de M

No entendimento suspenso entre luz e sombra, um ponto de cor em equilíbrio instável, prisioneiro do movimento adiado de libertação ou estilhaço.
M

quinta-feira, 10 de abril de 2008

59.






















Foto de M


Item for adults collectors. This is not a toy.

Isto soube eu depois, faz parte da etiqueta pendurada algures no corpo do boneco. Confesso que fiquei perplexa, porque lhe achei graça quando o vi, muito antes de conhecer a informação do fabricante. Ora não sendo eu coleccionadora de nada, aliás detesto coleccionar seja o que for, mas sendo adulta, pelo menos em grande parte do horário dos meus dias, que direito me assiste no meu agrado pelo boneco? Ou terá o rótulo a ver com o desejo humano, e universal, de recordar a infância (ainda que ela tenha sido insuportável − com ou sem toys −, ou até talvez por isso)?

Perspicácia de natureza comercial, possivelmente, de quem por experiência própria sabe que a vida é uma colecção de vivências e apenas lembrará que a memória da infância é um item a assinalar na lista de cada um. Impreterivelmente. P
or nostalgia do passado, por cansaço do presente, por necessidade de nos reconstruirmos na candura, para o entendimento da alma? Ou para cultivarmos a ilusão de que, revolvendo o tempo, prolongamos a nossa existência neste mundo terreno?
Provavelmente todas as minhas perguntas encontrarão respostas diversas, se aplicadas em separado, ou no seu conjunto, a cada um de nós.
No entanto, o que sei ao certo é que, quando entrei no quarto onde o boneco-menino me recebeu de olhos tapados, me senti cativada com a sua presença e, no meu entusiasmo, perguntei se as crianças da casa gostavam dele. Nem por isso, foi-me dito. Não faço ideia se por receio de concorrência em matéria de afecto: mais um naquele lugar de meninos? Ou porque se não encontraram na expressão impressa no seu rosto de pano? Ele tem lá o sorriso desenhado, pois tem, e as mãozinhas fecham os olhos como no habitual jogo de esconde-esconde que faz as delícias de quem começa neste mundo a esgravatar a vida. Mas a verdade é que a vivacidade dos rapazinhos de carne e osso trepa com eles na descoberta das coisas e dos afectos, e este suposto menino não destapa nunca os olhos, não dá pontapés na bola, não se zanga com os amigos de brincadeira.
Porém a mim não me incomodou a sua imobilidade, bastou-me imaginar que ele estava a jogar às escondidas comigo. Nem que ficássemos os dois eternamente escondidos um do outro na nossa fantasia mútua…
M

sábado, 5 de abril de 2008

58.

Foto de M

Na casa deles o azul é gesto desenhado sobre tela branca despojada, é mancha de cor, é flor oferecida, é realidade e fantasia, é pensamento que se pensa no silêncio das palavras, é palavra dita e é reserva, é sentimento mostrado ou adivinhado, é… é… é…
É ser e estar ao modo de cada um dentro dos limites do tempo humano.
M