quinta-feira, 10 de abril de 2008

59.






















Foto de M


Item for adults collectors. This is not a toy.

Isto soube eu depois, faz parte da etiqueta pendurada algures no corpo do boneco. Confesso que fiquei perplexa, porque lhe achei graça quando o vi, muito antes de conhecer a informação do fabricante. Ora não sendo eu coleccionadora de nada, aliás detesto coleccionar seja o que for, mas sendo adulta, pelo menos em grande parte do horário dos meus dias, que direito me assiste no meu agrado pelo boneco? Ou terá o rótulo a ver com o desejo humano, e universal, de recordar a infância (ainda que ela tenha sido insuportável − com ou sem toys −, ou até talvez por isso)?

Perspicácia de natureza comercial, possivelmente, de quem por experiência própria sabe que a vida é uma colecção de vivências e apenas lembrará que a memória da infância é um item a assinalar na lista de cada um. Impreterivelmente. P
or nostalgia do passado, por cansaço do presente, por necessidade de nos reconstruirmos na candura, para o entendimento da alma? Ou para cultivarmos a ilusão de que, revolvendo o tempo, prolongamos a nossa existência neste mundo terreno?
Provavelmente todas as minhas perguntas encontrarão respostas diversas, se aplicadas em separado, ou no seu conjunto, a cada um de nós.
No entanto, o que sei ao certo é que, quando entrei no quarto onde o boneco-menino me recebeu de olhos tapados, me senti cativada com a sua presença e, no meu entusiasmo, perguntei se as crianças da casa gostavam dele. Nem por isso, foi-me dito. Não faço ideia se por receio de concorrência em matéria de afecto: mais um naquele lugar de meninos? Ou porque se não encontraram na expressão impressa no seu rosto de pano? Ele tem lá o sorriso desenhado, pois tem, e as mãozinhas fecham os olhos como no habitual jogo de esconde-esconde que faz as delícias de quem começa neste mundo a esgravatar a vida. Mas a verdade é que a vivacidade dos rapazinhos de carne e osso trepa com eles na descoberta das coisas e dos afectos, e este suposto menino não destapa nunca os olhos, não dá pontapés na bola, não se zanga com os amigos de brincadeira.
Porém a mim não me incomodou a sua imobilidade, bastou-me imaginar que ele estava a jogar às escondidas comigo. Nem que ficássemos os dois eternamente escondidos um do outro na nossa fantasia mútua…
M

8 comentários:

bettips disse...

Para o (des)entendimento da alma, basta-nos querer tapar os olhos.
E fazê-lo.
Esse boneco aflige-me!
Boa (a) noite em que se (re)parte.
Bj

Maria Laura disse...

Olha que eu estou como a Bettips. Esse boneco é estranho... arrepia-me! :)
Mas nada disso afecta o teu belo texto/reflexão.

mena maya disse...

Item for adults collectors. This is not a toy.

Será para fazerem companhia?

Para ti serviu de inspiração para mais uma reflexão fantástica!

Beijinho

P.S.Aqui estão na moda bébés recem-nascidos de tamanho natural, feitos à mão, de encomenda e à vontade do freguês, para senhoras, que depois os passeiam de carrinho ou os levam ao supermercado nos "ovinhos" de transporte.

Lá terão os seus motivos...

jorge esteves disse...

Talvez a etiqueta seja tão só uma redundância: afinal não se basta a si próprio para estimular a conjectura? E não é dela que nasce a fantasia. Do que ele vive...

abraços!

Manuel Veiga disse...

um boneco (de trapos) para jogar às escondidas?!...

sorriso (de ternura e amizade)...

Frioleiras disse...

E ... acrescento...

eu
e o Tolilo

gostámos muito do teu boneco.................

jawaa disse...

Pois... as crianças gostam de alegria e vivacidade e esse menino tem medo.
Elas também, por isso não gostam dele.

Anónimo disse...

surpreendente, não é?
às vezes as coisas tocam-nos de uma forma q aos outros parece despropositada ou descabida ou desinteressante ou surprendente :D