domingo, 29 de junho de 2008

69.





















Foto de M

Do Tempo que nos rasga os bolsos e nos fere a nudez. Ou do cansaço que pára as máquinas e os corpos. A corda que se parte no gesto lento de a dar, o pensamento rodando o seu próprio silêncio em espasmos de tiquetaques por detrás do vidro frágil. As horas e os segundos da escala humana marcados na pele de cada um.


Havia por aí um anúncio que me lembro de ver com frequência num dos canais de televisão. Não sei descrevê-lo com rigor, apenas tenho a ideia vaga de que se fazia nele a exaltação de um iogurte. A sua eficácia sorridente era explicada através da imagem de um relógio desenhado na barriga de uma rapariga vestida com elegância, e em que o movimento giratório dos ponteiros apontava a duração ideal de um determinado processo fisiológico. E em nós, os espectadores a convencer, misturava-se nos olhos aquela imagem de brinquedo a par com a outra, a da máquina real e invisível que habita os nossos corpos e se deseja que funcione. A tal que começou por ser aberta a bisturi e desenhada com minúcia nos compêndios das escolas médicas, ou nos quadros de moribundos expostos nos consultórios antigos de cortinados soturnos. O desejo de vida, se alguém a queria em momentos difíceis, afugentado logo ali, antes do confronto com o diagnóstico do doutor. Ou seria porventura um aviso subtil sobre a fragilidade do saber humano. Mas felizmente que nos dias de hoje as salas de espera dos consultórios são tão alegres como os anúncios, e as paredes de cores claras mostram serigrafias de flores e pássaros. Ou riscos emoldurados que não entendemos, mas isso não tem importância, porque enquanto adivinhamos o que vemos não pensamos no que não vemos e imaginamos para lá da nossa nudez. Depois, no gabinete do médico que nos recebe, as nossas palavras cruzar-se-ão com a realidade das radiografias expostas sob a luz brilhante das novas tecnologias e a interpretação criteriosa do clínico. Será o modo moderno de sermos desventrados, menos assustador do que os quadros de bisturis, mas mesmo assim o pudor de ser gente continuará a tocar-nos. Talvez por causa desse sentimento o tal anúncio da televisão mostre um relógio desenhado num corpo vestido. Porque sabemos que só a nudez nos acompanha no limite de sermos deixando de ser. E temos medo.
M


segunda-feira, 16 de junho de 2008

E com as cores de outros vos deixo, enquanto vou à procura das minhas reflexões. Devo tê-las guardado muito bem em qualquer lado pois não as encontro de momento no lugar habitual. A persiana fica entreaberta, para que possam espreitar.
M

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As cores de outros IV


Fotos de M

As cores de outros III

As cores de outros II

As cores de outros I