quinta-feira, 30 de abril de 2009

97.


Foto de M

História, a palavra fotografada esta semana no Fotodicionário.
Assim a interpretei. Como uma espécie de berço que recebe o corpo e a alma do mundo e onde cada um de nós sonha a vida a partir de si e dos outros. Escrita por todos, com as nossas histórias muito particulares de gestos e afectos a ampararem-nos o prazer de crescer, ou os ódios das negligências a endurecerem-nos o coração, na complexidade que é viver. Lençóis de tonalidades a tecerem a espessura do Tempo imaginado eterno, realidade e fantasia imitando-se na ânsia de ser. Um brincar de mãos e pés pequeninos traçando o futuro de adultos que se desejam felizes na plenitude da sua existência. Ao gosto de cada um, no desenho do pensamento guardado, ou tornado acção pela palavra revelada, na música do inefável, na matéria transfigurada, no amor oferecido à Natureza. Nem todos, bem sabemos, a muitos será negado o direito à candura da alegria e a tristeza inundar-lhes-á os olhos baços de vazios. Outros terão apenas farrapos sombrios a agasalhar-lhes os corpos abandonados ao relento da indiferença. E outros, e outros… Tantas as histórias, tantas as marcas deixadas na brevidade dos caminhos trilhados! Só a História habita eternamente a vida e a morte do tempo que nos cabe.

M

sexta-feira, 10 de abril de 2009

96.


Foto de M

Estava eu na esplanada junto ao jardim em conversa amena à mesa de um almoço de açorda de camarão, eis senão quando foi a pacatez do lugar usurpada por voos de pombos atrevidos a rasar as nossas cabeças. Acorreram rápidos os empregados – até àquele momento estáticos no vazio da espera de novos comensais – que, com acenos amplos de braços e mãos, os convidaram a subir aos beirais dos telhados da vizinhança. Empreendimento avisado, claro, não fossem as aves deixar vestígios indesejados sobre a tarde que se queria generosa em matéria de condimentos e degustação. Confesso, no entanto, que este movimento de aterragem e levantamento próprios de um aeroporto a contas com os controladores de tráfego aéreo me perturbou um pouco, o que me levou a desviar a atenção dos esgares preocupados de quem tinha entre mãos voos de alto risco.
Foi então que, ao olhar para cima, tentando assim fugir ao alvoroço terreno a meu lado, vi o silêncio de passos desconhecidos delicadamente pendurados num estendal e de imediato os pensei à procura de sol nas sombras dos dias. O que não me admiraria, já que a janela aberta onde esvoaçava uma cortina ao jeito de bandeira da paz mostrava um buraco negro de proporções inumanas. A não ser que se tratasse da entrada para alguma central de pombos-correios treinados para a entrega de mensagens de índole universal... O que também não me pareceria estranho neste nosso mundo de malabarismos vários usados para tentar resolver o desacerto da linguagem humana. Enfim, agarremo-nos às asas da dúvida sistemática, pois o que importa é o voo do pensamento.

M