sexta-feira, 25 de setembro de 2009

102.


Foto de M

Fotografei-a assim, propositadamente escondendo-lhe o rosto, porque o que me cativou naquele momento foram a luz e o gesto branco, vagaroso, adivinhado na camisola posta em redor do pescoço. Como um abraço que se oferece, a serenidade pousada no silêncio da pele, personalidade pressentida no mistério que é ser-se presença casta na beleza de uma tarde de Verão.
Como uma vestal.
M

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

101.


Foto de M

Marca o tempo, o dele e o meu.
Foi-me oferecido há mais de vinte anos por alguém que adorava relógios e todos os instrumentos de medida. Atingiu portanto a maioridade, sem que, no entanto, alguma vez tenha mostrado intenção de se afastar de mim. Talvez porque lhe permito uma certa liberdade dentro da rotina diária que o leva a temperar o trabalho compassado a que a sua natureza o obriga com momentos de silêncio e descanso absoluto. De tal modo absoluto que, quando o aconchego no pulso, nem sempre desperta da letargia a que se habituou dentro da caixa em que se acomoda por períodos não definidos, proporcionando-me o prazer de lhe oferecer uma nova pilha para o reanimar. O que será possivelmente sentido por ele como Nasceu-me uma alma nova, frase tão vulgarmente usada por muitos de nós em situações que envolvem um final feliz para o desejo premente de quebrar hábitos e ritmos extenuantes ou insuportáveis.
Pois é verdade, fez este Setembro dois anos que o meu Swatch não saía do torpor um pouco mais demorado a que o constrangi, ainda que involuntariamente, apesar do entendimento que sempre houve entre nós os dois. Não assisti ao seu nascimento, claro, porque quem o concebeu viveria em país que não o meu, mas desde o primeiro momento em que nos conhecemos que me afeiçoei aos seus suaves azuis e verdes com uns laivos de pôr-do-sol laranja. Precisamente por essas suas características de tons harmoniosos que me encantam e me lembram rios e florestas, decidimos que ele viajaria no meu pulso apenas durante as férias possíveis, e para lugares em que ambos nos sentíssemos solidários com a Natureza.
Assim nos temos acompanhado ao longo dos anos sempre que nos afastamos do ninho habitual, e aparentemente descoordenados, cada um de acordo com o seu andamento. Ele mantendo os ponteiros activos, com a discrição que lhe é própria, eu abrandando o passo quando procuro fugir ao cansaço urbano e piso caminhos outros que o Tempo me oferece.
Sim, meu amigo de rosto redondo onde moram memórias de céus límpidos e águas tranquilas que dão de beber a girassóis e a verdes embalados pelo sopro morno do vento, este ano voltámos a encontrar-nos com os campos onde o silêncio nos fala ao ouvido e os dias duram o dobro.
Tínhamos ambos muitas saudades, não tínhamos?
M