domingo, 24 de janeiro de 2010

106.


Foto de M

Gostei de lhe chamar Flor de Música.
Estava de empréstimo em casa de um amigo meu que olha e toca os objectos com o coração. Contou ele que, ao entrar uma vez mais numa loja de antiguidades por onde passa a caminho de casa, o dono lhe mostrou esta peça de muitos anos e lhe falou na dificuldade em encontrar alguém capaz de a pôr a funcionar. Pelo que conheço do meu amigo, suponho que terá então retirado os óculos da cara com aquele seu gesto demorado de mãos cautelosas e examinado o “doente” com a minúcia de que sempre se serve na observação dos objectos. Imagino que assim terá acontecido, mas na verdade apenas sei o que repetiu da sua conversa com o antiquário. Estava convencido de que conseguiria resolver o problema daquele silêncio forçado… que poderia tentar restituir-lhe a voz de outros tempos… Mas o trabalho seria gratuito, isso era ponto assente. Pelo puro prazer de o fazer.
E também nós, que jantávamos nessa noite em casa do nosso amigo, tivemos o gosto de escutar o Arriverdeci Roma pela Voz do Dono… Ainda que com o som um pouco roufenho, mas isso que importa se oferecido por uma romântica Flor de Música?
M

8 comentários:

hebdomadarius disse...

A Voz do Dono. Com o cãozinho sentado. Que recordações me trazes, Manuela!
Bem hajas.

G disse...

...E é também a Flor da Vida, amolgada,recuperada,tocada e olhada com o coração,que aqui nos deixas.Obrigada
G

Anónimo disse...

Flor aqui, pétalas juntinhas abaixo...
O romance - da música, das crianças, dos amigos, dos gestos bonitos ... - tempera a vida.
Bjs da Bettips

Rui Fernandes disse...

Flor de música é muito apropriado: é uma homoclamídea, em que as pétalas e as sépalas não estão separadas mas se conjugam para formar as tépalas (que formam em conjunto o perigónio). Portanto, o instrumento apresenta um belo perigónio se onde sai pujante um excelso arriverdeci Roma. O teu amigo, portanto, é médico de instrumentos antigos e conduz a sua carreira com o fair play de um esteta. Porque, na verdade, os instrumentos antigos não precisam de medicina, coisa própria das actuais tecnologias com clínicas de vão de escada nos centros comerciais, precisam é de amor, de contemplação atenciosa, de respeito.

O jantar espero que tenha sido bom e bem regado. Quando, depois de um bom repasto, ficamos todos um pouco roufenhos, é bom concertare com o instrumento.

Alberto Oliveira disse...

... tudo lhe fazia crer que naquela estranha maquineta a manivela teria um papel preponderante no seu uso. Olhou em volta e como não viu ninguém, fê-la rodar. Primeiro devagar depois com maior velocidade e com resultados imediatos: o prato circular girou estonteante e logo a seguir ouviu uma voz roufenha vinda do interior duma espécie de canudo ligado à máquina que terminava em redondo «Não mexas naquilo que não deves. Volta para o teu osso.». Reconheceu a voz do dono.

Arábica disse...

Lindissima na forma de flor, adivinho que ao tacto também sedutora...olho para ela e não posso deixar de perguntar: quantas crianças ao longo do seu caule teria ela encantado? Quantos silêncios nocturnos teriam passado por si -entrecortados em dós e sis, timidamente escutados em salas semi iluminadas? Quantos sonhos cantados guardará?

Arriverdeci, Roma.

Um beijinho, M.

Justine disse...

Encantam-me tanto os objectos antigos.Quanta história para contarem, se pudessem. Quantos romances nascidos ao som deta flor. E como é belo o gesto do teu amigo, alimentando a flor...

APC disse...

então curvo-me nestas pétalas lançadas ao chão...