terça-feira, 20 de julho de 2010

O Prazer de Viajar - 33


Foto de M

cada pássaro é a sombra, tatuada,
de um anjo

Emanuel Jorge Botelho

21 Haiku com Asas (Terceiro Livro, Emanuel Jorge Botelho – Urbano), in 21 Haiku com Asas, Urbano, e Cabras, Galeria 111

(Madalena, Ilha do Pico)

O Prazer de Viajar - 32


Foto de M

Rendas do Pico – 100 Anos de Memória

“As rendas do Pico levam, de memória, já cem anos e pertencem a um tempo de mulher que foi, em simultâneo, suave e sofredor. Ninguém já se lembra bem desses dias do princípio, dessa distância onde assenta a construção de uma epopeia. Multiplicara-se a gente, a terra tornara-se escassa e avara para pão, fechara-se o mar também à emigração e foi nesse quadro que a renda se tornou ofício de mulher, que ganhou o jeito de um estranho ganha-pão.

Nas horas quietas do dia, quando os homens lavravam terra ou rompiam roços de uma estrada, as lides domésticas acabadas, lenhas, águas do poço de maré já carregadas, ei-las, as mulheres, sentadas à janela ou no balcão, novelos de algodão sobre o regaço, uma farpa de ferro magoando às vezes sua mão, ei-las, as rendeiras. Quase sempre sentavam junto de si as suas filhas, logo aos oito anos, ainda eram meninas. À noite reuniam em longo serão, azeite de baleia ardendo na candeia antes de chegar a luz branca do candeeiro “Petromax”, contavam as histórias de vida dos antigos e cantavam.

Cresciam sobre panos brancos as rosetas que elas próprias uniam construindo toalhas de mesa ou naperons. Mais vezes as confiavam às mulheres que davam rendas a fazer, jeito de “empresárias” que governavam a produção e o mercado e eram estas quem depois mandava organizar, com leques de rosetas, as toalhas de mesa e às vezes de altar, os jogos de naperons, as blusas, as beiras de lençol ou de almofada. Obras-primas geravam-se pela sábia combinação dessas rosetas cujo nome se inventara a partir da terra, da natureza que ficava ao seu redor. Chamavam-lhes flores do alecrim, silvas, tremoço, amoras, dálias, margaridas, cachos de uvas, flor do maracujá. E havia as flores da paixão e do martírio. Mas estas nasciam só do coração.

S. Mateus, freguesia da Madalena, a Sul do Pico, foi, por natureza, o berço do ofício. Depois estendeu-se a S. João, às Ribeiras, deu a volta à ilha. As rendas vendiam-se na roda da ilha, em casas de comércio do Faial, no Continente ou seguiam para mercados do Brasil, do México, dos Estados Unidos. E as rendeiras compravam com o dinheiro que juntavam, o enxoval, se eram solteiras, mães de família ajudaram a erguer casa onde viver, compraram milho para o pão de cada dia, pagaram os estudos dos filhos, na cidade.

Ainda há quem faça rendas em S. Mateus, ainda há muitas rendeiras pela ilha. Mas as rendas já não são, como dantes, ganha-pão. São herança. São memória. Tal e qual como as canoas baleeiras. Tal e qual como os marouços, as adegas, os currais de vinha e os caminhos que faziam para a montanha, antigamente, os velhos pastores. Só por isso as rendas se apresentam, celebrando a terra e as rendeiras, nesta Exposição.”

Alberto Correia

(Artigo retirado da net no site da Câmara Municipal das Lajes do Pico http://www.municipio-lajes-do-pico.pt/paginas.asp?id_sec=78&idDestaque=42)

(São Mateus, Ilha do Pico)

segunda-feira, 19 de julho de 2010

O Prazer de Viajar - 31


Foto de M

CANÇÃO DA VIDA VIVIDA

Pus-me diante da vida
Com os meus braços abertos:
Em vão buscaram meus olhos
A rota dos meus destinos
Pelos caminhos incertos

Passou a chuva e o vento
Passou o sol e o luar
Vieram sombras incertas
Sombras incertas se foram
Sem nunca se demorar

Trazia os braços abertos
Queria abraçar a vida
Senti-la junto de mim:
Fiz o meu rumo às estrelas,
Rasgado no céu sem fim

Errei por montes e vales
Sempre mais só sem abrigo
Vieste tu ao meu encontro,
E em teus braços me prendeste,
Disseste: - fica comigo

Faixa 15 do CD HELENA CANT’AUTORES AÇORIANOS
Música, Arranjo e Piano: Carlos Frazão; Letra: Armando Cortes Rodrigues; Contrabaixo: Mike Ross; Violinos: Manuel Rocha; Bateria e Percussões: Joaquim Teles (Quiné); Voz: Helena

O Prazer de Viajar - 30






Fotos de M

CANÇÃO AÇORIANA
(SAPATEIA TEIA, TEIA)

Oh sapateia teia, teia que me prende
Neste novelo de tantas inquietações
Amarga e doce minha lira que se acende
Nesta viola que há-de ter dois corações

Pedras tão negras tatuadas pelo vento
Pedras queimadas pelo rocio do mar
São sentinelas da saudade, do lamento
De estar tão longe, meu amor, do teu olhar

Vai minha galera
Navegar o mar imenso
Nas marés que o tempo amanheceu
Nesta longa espera
Sei que ainda te pertenço
Pois sei que a nossa lira não morreu


Faixa 13 do CD HELENA CANT’AUTORES AÇORIANOS
Música e Letra: José Medeiros; Arranjo e Piano: Carlos Frazão; Contrabaixo: Mike Ross; Violinos: Manuel Rocha; Bateria e Percussões: Joaquim Teles (Quiné);
Viola da Terra: Luís Gil Bettencourt; Voz: Helena e José Medeiros

domingo, 18 de julho de 2010

O Prazer de Viajar - 29




Fotos de M

Felizmente que hoje em dia as baleias são bem vindas ao Pico por razões outras que não as de outros tempos…
E se alguém não quiser ir ao seu encontro (pacífico, agora) no alto mar e preferir conhecer, em terra, o seu passado e o dos seus adversários na luta de ambos pela sobrevivência, o museu é ali a dois passos.
M


(Lajes do Pico, Ilha do Pico)

O Prazer de Viajar - 28


Foto de M

«…Contam que a mãe acompanhada pelo filho, que nasce logo com quatro ou cinco metros de comprido, é mais fácil de subjugar, chegando o ambaque (baleia preta) a deixar-se matar quando lhe apanham o pequeno: basta feri-lo ao pé do rabo e puxá-lo para o bote. A mãe já não o larga e prefere, se não pode fugir com ele metido debaixo da asa, que a acabem às lançadas. Quer dizer: esta coisa monstruosa e zincada, com óleo na cabeça, não só come e digere, não só dorme e digere – é capaz de ternura e sacrifício.»

Raul Brandão, As Ilhas Desconhecidas – Notas e paisagens, Edição Artes e Letras Açores, Setembro de 2009


(Monumento ao baleeiro no Cais do Pico, Ilha do Pico)

sábado, 17 de julho de 2010

O Prazer de Viajar - 27







Fotos de M

A espantosa cor da dimensão histórica na paisagem interior de cada um de nós.
M


(Zona da Criação Velha, Ilha do Pico)

O Prazer de Viajar - 26






Fotos de M

«O vinho branco do Pico, feito de verdelho e criado na lava, é um líquido, com um pique amargo, cor de âmbar, e que parece fogo. Erguem (*) uma pedra, atiram um punhado de terra para o buraco e a videira deita raízes como pode, abrigada no curral pelos muros e estendida no chão sobre calhaus. Só lhe levantam um pouco as varas quando o cacho está perto de amadurecer. O Pico já deu milhares de pipas de vinho, que exportava quase na totalidade para a Rússia.»

Raul Brandão, As Ilhas Desconhecidas – Notas e paisagens, Edição Artes e Letras Açores, Setembro de 2009


(*) na 1ª edição «Levantam».


(Zona da Criação Velha, Ilha do Pico)

O Prazer de Viajar - 25










Fotos de A com algumas adaptações de M

Lugar de férias e de fins-de-semana junto da costa, e porque de certo modo triste e solitário, interrogo-me como se entretêm os que aqui vêm de visita? Levarão para dentro de casa a cor com que aliviam um pouco o negrume da paisagem? Ou serão eles próprios a cor e o espírito que lhes habita as horas, revivendo o passado a seu modo e confiando-lhe a alma da presença viva, para que nada se perca?
M


(Cachorro, Ilha do Pico)

O Prazer de Viajar - 24


Foto de M

Muito belo este negro silêncio habitado onde só as flores parecem ser capazes de sentir a brancura dos dias.
M


(Cachorro, Ilha do Pico)

sexta-feira, 16 de julho de 2010

O Prazer de Viajar - 23



Fotos de M

Tão bonito tudo isto!
M


(Cachorro, Ilha do Pico)

segunda-feira, 12 de julho de 2010

O Prazer de Viajar - 22


Foto de A

«Esta ilha – a maior dos Açores – é negra até às entranhas, na própria terra, na bagacina das praias, no pó das estradas, nas casas, nos campos divididos e subdivididos por muros de lava, nas igrejinhas das aldeias, requeimadas e tristes. O aspecto é dum grande luto, duma grande desolação. A fuligem caiu sobre a vasta terra e só de quando em quando um grande plaino cinzento, os mistérios, sucede ao negrume como a lepra ao incêndio.»

Raul Brandão, As Ilhas Desconhecidas – Notas e paisagens, Edição Artes e Letras Açores, Setembro de 2009

(Cachorro, Ilha do Pico)

O Prazer de Viajar - 21






Fotos de M e A

«Isto que de longe era roxo e diáfano, violeta e rubro, conforme a luz e o tempo, aparece agora, à medida que o barco se aproxima, negro e disforme, requeimado e negro, devorado por todo o fogo do Inferno. É um torresmo. Nunca labareda mais forte derreteu a pedra até cair em pingos e desfazer-se em cisco. É uma imagem a negro e cinzento que me mete medo. Há por aí buracos e furnas onde a lava formou colunatas e estalactites azuladas, grandes cachos pendentes, derretidos pelo calor e solidificados pelo resfriamento.»

Raul Brandão, As Ilhas Desconhecidas – Notas e paisagens, Edição Artes e Letras Açores, Setembro de 2009


(Cachorro, Ilha do Pico)

domingo, 11 de julho de 2010

O Prazer de Viajar - 20


Foto de A

tem os pés mais cansados
do mundo, dissera-lhe o homem
enquanto seguiam os três com
as hortênsias. a criança sentada

sobre o dorso olhava o burro e
a vida que se abria em cada curva
como uma fotografia a sépia
de que nunca se regressa. muito

mais tarde, na mesma estrada,
viu o homem sozinho, sem o burro
nem as flores, e reconheceu em si
o imenso cansaço do mundo.

Renata Correia Botelho



E Cabras (Primeiro Livro, Renata Correia Botelho – Urbano) in 21 Haiku com Asas, Urbano, e Cabras, Galeria 111


(Parque Natural Ribeira dos Caldeirões, Ilha de São Miguel)

sábado, 10 de julho de 2010

O Prazer de Viajar - 19






Fotos de A

«Há aqui gigantes diante dos quais a gente hesita e que nos arrastam para o desconhecido.
Ponho-me em comunicação com eles e não os entendo. Evidentemente eu não tenho medo duma árvore quando me habituo à sua companhia. Nem tenho medo de todas as árvores. Mas quando me são desconhecidas, quando tomam estas proporções, quando formam florestas enredadas, quando à noite se põem a murmurar umas com as outras – a minha vontade é fugir.»

Raul Brandão in As Ilhas Desconhecidas – Notas e paisagens, Edição Artes e Letras Açores, Setembro de 2009


(Ilha de São Miguel)

O Prazer de Viajar - 18


Foto de M

Dos ângulos e cores onde o meu olhar se reclina em sossego.
M


(Estufa de ananases A. Arruda na Fajã de Baixo, Ilha de São Miguel)

O Prazer de Viajar - 17

















Fotos de M

Às vezes apetece desmembrar as imagens. Para melhor apreciarmos a elegância dos traços marcados na pedra. Linda a expressão do rosto, transparente o olhar pensativo, tranquilos os gestos nos silêncios do passado.
M

(Estufa de ananases A. Arruda na Fajã de Baixo, Ilha de São Miguel)

O Prazer de Viajar - 16





Fotos de M

Da serenidade dos caminhos que me traz à lembrança o meu amado pintor chinês Ho Huai-Shuo.
Que disparate!, pensarão alguns. Bem te entendo, dirão outros.
O que é certo é que, apesar das diferenças entre estas duas realidades, me lembrei do pintor desde a primeira vez que olhei para a minha fotografia. Procurei o quadro com o qual tinha feito a associação de ideias, voltei a observar a fotografia. Olhei, olhei, olhei, quase a medo… Estarei louca?, pensei. Não sei se estou, o que sei é que me conforta ligar Ho Huai-Shuo à paisagem interior que compõe o meu pensamento.

M

(Parque Natural Ribeira dos Caldeirões, Ilha de São Miguel
e
Alley in the Rain, in Inner Realms of Ho Huai- Shuo, published in 1982 by Hibiya Co. Ltd.)

(Parque Natural Ribeira dos Caldeirões, Ilha de São Miguel)



O Prazer de Viajar - 15



Fotos de M

Também as árvores morrem e me deixam um silêncio triste.
M


(Ilha de São Miguel)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O Prazer de Viajar - 14


Foto de M
(Poemas de Emanuel Jorge Botelho e ilustrações de Urbano, Terceiro Livro 21 Haiku Com Asas, in 21 Haiku Com Asas, Urbano, e Cabras, Galeria 111)



cada árvore é a mãe
do primeiro voo



uma pena quieta dentro do vento,
uma rosa do céu



a aurora dentro de uma asa,
a manhã descendo pelo vento


Emanuel Jorge Botelho


21 Haiku Com Asas (Terceiro Livro, Emanuel Jorge Botelho – Urbano), in 21 Haiku Com Asas, Urbano, e Cabras, Galeria 111

terça-feira, 6 de julho de 2010

O Prazer de Viajar - 13


Foto de M

Nem sempre convirá usar os parentescos como cartão de visita para preenchimento de lugares. Digo eu. Claro que dependerá das situações e dos lugares, não precisarão de mo lembrar, mas neste parque tão naturalmente belo… Sim, o tal Homo sapiens, eu sei, mais o engenho e o cérebro desenvolvido mas… é que nem a trepadeira lhe disfarça as feições e o pêlo e eu gosto de coisas bonitas.
Não percebes nada de iniciativas, dir-me-ão, as crianças acham-lhe graça.
Ah! Pois… Se calhar não entendo nada de antepassados.
M


(Parque Terra Nostra, Ilha de São Miguel)

segunda-feira, 5 de julho de 2010

O Prazer de Viajar - 12




Fotos de M

No movimento de distanciamento e proximidade do olhar sobre as coisas, o meu encontro com a singeleza das flores.
M

domingo, 4 de julho de 2010

O Prazer de Viajar - 11


Foto de M

às vezes a cor sai da moldura
e fala de ti como se fosse lábio;

é quando, sobre a água,
os peixes têm pétalas.


tudo coisas simples, afinal,
como o sal, calado,
de uma lágrima.

Emanuel Jorge Botelho


Urbano (Segundo Livro, Emanuel Jorge Botelho – Urbano), in 21 Haiku com Asas, Urbano, e Cabras, Galeria 111


(Parque Terra Nostra, Ilha de São Miguel)

sábado, 3 de julho de 2010

O Prazer de Viajar - 10


Foto de M

Do entendimento subtil entre naturezas, as pegadas deixadas pelas folhas nos caminhos dos homens.
M

(Parque Terra Nostra, Ilha de São Miguel)