quarta-feira, 19 de outubro de 2011

149.


Foto de M *

Há expressões muito pertinentes na língua portuguesa. De uma delas serviu-se o meu irmão num dia em que me queixei de qualquer desentendimento penoso entre o meu corpo e certas tarefas que lhe eram exigidas em determinadas circunstâncias.
Estás presa por arames, disse-me, um sorriso provocatório espalhado no rosto. Achei-lhe graça e de imediato me revi naqueles bonecos de madeira que, expostos nas tendas de artesanato à curiosidade de quem passa, parecem prestes a desconjuntar-se ao mínimo toque.
Mas pelos vistos esta percepção que temos de forças em equilíbrio e desequilíbrio inspira também um outro género de arte, a dos artistas mais consagrados, digamos. O que me leva a pensar que o facto de se estar preso por arames não se aplica em particular a alguém com dificuldades específicas num ou noutro momento. Julgo que abrange um campo mais vasto
– o da fragilidade inerente à existência humana – e que provavelmente só através da amarração à consciência dessa realidade seremos capazes de encontrar a estabilidade possível.
M

* Fotografia de uma parte da instalação Amarração, 2008, de Pedro Cabrita Reis, Colecção Museu Berardo, no exterior do Centro Cultural de Belém.
Materiais usados: alumínio, madeiras, escadas, lâmpadas fluorescentes, cabos eléctricos, aço e pneus.

4 comentários:

Mónica disse...

a instalação é feia, pensei q fosse um daqueles casos de falta de segurança no trabalho..
preso por arames é isso mesmo a fragilidade da ligação

Manuel Veiga disse...

arames que são elos! e outras vezes laços... lassos!

sensibilidade e bom gosto.

gostei muito.

beijo

R. disse...

Sem dúvida, M. A consciência da própria fragilidade será condição "sine qua non" para reforçar os elos que impedem a 'desconjuntura' ou para procurar remédio quando o desequilíbrio se impõe.

A instalação parece-me bem eloquente: sugerindo um equilíbrio frágil, assente na instabilidade do movimento mas, ainda assim, em busca da ascensão.

Licínia Quitério disse...

Muito interessantes as ligações que fazes da frase do teu irmão. Curioso observar a fragilidade que ressalta da instalação do Cabrita Reis, estranhamente através do uso de grandes volumes e de materiais grosseiros (ou por isso mesmo).