quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Silhuetas de memórias


Silhuetas de amigos 
(Foto de S.) 

Podia ser o título de um filme

Silhuetas de amigos. Podia ser o título de um filme a preto e branco. Mudo, com gestos apenas, daqueles em que se adivinham os afectos por detrás das fisionomias, desenrolados no mutismo da bobina, o argumento saltando para o ecrã do nosso silêncio. O silêncio do entendimento das imagens sem voz audível dentro de nós, o prazer da conjectura sobre o que não é claramente revelado.
Julgo que o ritual da pesca é também calado e pensativo, cada gesto lento, avaliado antes de a linha ser lançada longe. Um diálogo de palavras guardadas entre o pescador e a cana de pesca, expectativas atiradas sobre a água que corre mansa, desejos que flutuam, que mergulham, que desafiam. A tentação espetada no anzol, e o peixe lá em baixo, um pequeno isco atravessando-se na sua estrada azulada, obrigando a um desvio de caminho, a uma paragem. Um salto, um paladar a experimentar, um sabor a que se não resiste, um puxão na linha, um sinal rapidamente enrolado no carreto. Uma desilusão agarrada ao anzol? Que importa? Existem mais engodos miúdos dentro da cesta à espera dos dedos hábeis do pescador.

Acção! De novo o ritual da cilada, luz e sombra, contrastes na paisagem. Há que respeitar o fim do filme: um peixe preso num voo contrafeito, dançando o seu último bailado prateado a solo, pingando azul sobre o sorriso do pescador, debatendo-se a seus pés com a vida. Desistindo dela, impotente perante a degustação adiada de um homem paciente.
M
30 de Outubro de 2005

2 comentários:

jorge esteves disse...

Podia ser a acção de um filme. Poia. Mais me parece, no entanto, uma aguarela em tons de azul - talvez tirado ao mar - sobre pescadores.
Gostei.
abraço.

Anónimo disse...

Estive aqui, a ler o guião - sempre será incompleto.
Bj
B