quinta-feira, 20 de março de 2014

202.


Foto de M

Desalento. Claustrofobia. Confusa a geometria do espaço, perturbante a composição dos azulejos repetida até à exaustão no chão e na parede, pouco significativa a posição dos quadrados para marcar a diferença, apenas uma ligeira rotação dissimulando a semelhança. O ambiente é fechado, restritivo. Onde encontrar a linha do trilho? Onde pousar os passos? Onde apoiar a vida? Que fazer com a ilusão? Como destruir a aresta do tédio? Onde soltar a frustração? Debruçam-se corpos anónimos sobre mesas frias, hirtos, lívidos, juntos na solidão silenciosa de cada um. Em que lugar aquecer o olhar se o céu parece enclausurado dentro de um triângulo? Em que Universo te escondes, ó sol? 

M

quarta-feira, 12 de março de 2014

201.


Foto de M


Um pouco insólita me pareceu a presença daquela rapariga à janela. Imóvel, não sei se agastada se pensativa, aparentemente decepado o corpo pela cintura. O que não me admiraria, pois a guilhotina foi expediente de franceses de outros tempos para resolver problemas de poder e esta menina estava em terras de França. Sim, eu sei, neste caso não se terá passado exactamente da mesma maneira. Ao contrário do acto sanguinário de então, sobreviveram incólumes a cabeça e parte do tronco, sendo a persiana, plástica, suponho, um meio de amputação menos pesado. Mas o melhor é considerar hipóteses mais lúdicas, como por exemplo habilidades de mágico cortando o corpo da assistente de sorriso confiante, para logo depois o recompor perante a perplexidade dos espectadores. Enfim, os pormenores da concepção e execução da obra pouco me importam. O que realmente lamento é não ter conhecido o seu autor para lhe confessar o meu apreço pela genialidade da ideia e pelo simbolismo que nela encontro. Por vezes, separar a cabeça da estrutura de que faz parte permite uma certa libertação do pensamento.

M

domingo, 9 de março de 2014