quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

NATAL, UM LUGAR NAS NOSSAS VIDAS


Foto de M 

2. A história de Natal que eu contaria 

AS CONSULTAS DE QUINTA-FEIRA


Havia anos que os vinte quilómetros de estrada secundária o levavam todas as semanas às consultas de quinta-feira. Grande parte dos seus doentes, por quem sentia um afecto muito especial, vinha do tempo da “periferia”, quando ele e outros colegas ali tinham sido colocados, ao abrigo da política de saúde do governo da altura. Para um rapaz novo, praticamente acabado de sair da faculdade, tinha sido difícil trocar os sonhos de uma carreira médica na capital pela pacatez de um posto de saúde algures numa terra longínqua. O trabalho depressa o fizera compreender a utilidade daquela experiência e o convívio com os colegas trouxera-lhe amizades para a vida inteira. Mais tarde, terminada a “periferia”, mantivera as consultas às quintas-feiras. “Ao menos uma vez por semana vou visitar a família!...”, dizia por graça.
Olha quem ali está, comentou para consigo. O Ti Manel e as suas vinhas! Há que meses não o via. Ainda bem, era sinal de saúde. Aparecera-lhe no consultório por alturas do último Natal, não que estivesse doente, o homem era rijo: “Venho desejar-lhe Boas Festas e oferecer-lhe duas garrafinhas de vinho para o Senhor Doutor beber com a sua senhora.” Buzinou e acenou-lhe através da janela.
- Bom dia Nelson, como vai? - disse, ao passar junto do porteiro do Centro de Saúde - Hoje há muita gente para mim?
- Bom dia Doutor Brandão! Alguma... Começa o inverno, aparecem os espirros...
- O pior é se não tenho lenços suficientes para os espirros da alma...

M

2 comentários:

Anónimo disse...

Tão bonito, M. Um tempo sem precedentes, esse de ir ao mundo rural, nessa época de pobreza e esquecimento. Penso que (essas) pessoas que o vivenciaram, nunca mais foram as mesmas. Pelo menos há duas que conheço e muito falaram nisso, até a forma como as pessoas dos lugares explicavam as suas maleitas. E eu creio, firmemente, que além do tal médico de família que cada vez está mais distante e computorizado, nos faz falta um "João Semana" para falar e orientar, em primeira análise. Alguém "próximo" das pessoas.
B

Justine disse...

No tempo em que ser médico era olhar para as pessoas, avaliá-las no seu todo físico e psíquico, e não olhar para o computador…
Beijinhos