Apenas coisas, início de frase proposto pela Bettips para o desafio de hoje no Palavra Puxa Palavra, levou-me a pensar que talvez nem sempre seja linear considerar as coisas como apenas coisas. Ligada a palavra apenas à que se lhe segue, julgo que nalguns contextos lhe retira a substância da sua individualidade, noutros, pelo contrário, acrescentará qualidade ao que se pretende exprimir. Importará conhecer o que se enuncia, de que se trata. Objectos, ideias ou casos, argumentos relevantes ou não, reflexões, tudo isso pode ser considerado coisas. Dependerá de cada pessoa o valor que lhes atribui, o afecto que as une, de como as olha, como delas se serve. Esta fotografia campestre, por exemplo, mostra um conjunto de objectos com significado muito especial para o seu dono, meu irmão. Para ele não são apenas coisas, são pedaços de recordações saborosas que deseja continuem a tomar parte activa no presente. Foram intencionalmente colocados ali para seduzir preguiças ou espevitar gostos e artes rurais, pacientemente ordenados na quietude sem tempo, à margem da urgência ou da indiferença de quem neles venha a reparar. Conheço bem este plano sorrateiro, a composição cuidada, porventura até estética nos pormenores, é-me familiar o gesto silenciosamente provocador de expor e esperar pela reacção de alguém, a tentação dos frutos. Depois é o pegar de novo no livro que abandonou sobre a mesa em breve pousio, sentar-se à distância na sombra da árvore e ir libertando o olhar num vaivém entre as páginas da história e aquela espécie de isco e logo se vê o que acontece. À mão de semear: adequada a expressão à função intrínseca dos utensílios aprisionados.
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