sábado, 5 de agosto de 2017

245. O MEU PÁSSARO - Epílogo


«O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir e traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já. O viajante cumpre a sua obrigação: viaja e diz o que vê. Se não parece dizer tudo, será erro seu ou desatenção de quem leu.»



José Saramago, Viagem a Portugal, 1981

244. O MEU PÁSSARO - Dia 14


Foto de M
 
Gostei da tua companhia nesta minha viagem do pensamento, Meu Pássaro, mas descansemos agora um pouco no jardim interior onde me refugio tantas vezes. Espero que nele encontres inspiração para falares de ti. Durante estes catorze dias apenas te imaginei.

 
M

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

243. O MEU PÁSSARO - Dia 13


Foto de M

Portugal. Quem nos dera continuasse a ser verde, não fossem os desatinos dos homens que lhe vão devorando a cor. Que diriam dele agora Raul Proença e os seus ilustres colaboradores na realização da obra Guia de Portugal?

« (...) E assim um dia este livro, que eu sonhei nos verdes vales, nos rios plácidos e nas montanhas decorativas da minha terra, nas sua costas de enseadas azuis e de esburacadas grutas misteriosas (sonoras no marulho das ondas como enormes búzios ressonantes), no deslumbramento da sua luz epitalâmica e sob as suas grandes estrelas dormentes – este livro, feito pelo amor e pelo espírito de veracidade de alguns Portugueses para concitar e adjurar a infinita piedade portuguesa, merecerá, talvez, pelo muito que os outros fizeram e farão, e pelo pouco que eu vier ainda a fazer, ser denominado com justiça – o Livro de Amor e Devoção de Portugal

Raúl Proença, Guia de Portugal, Prefácio da 1ª edição publicada pela Biblioteca Nacional de Lisboa em 1924, retirado do 1º Volume Generalidades – Lisboa e Arredores, reedição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1979
 
M

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

242. O MEU PÁSSARO - Dia 12


Foto de M

Dos meninos sei eu do seu gosto em subir para cima de bancos ou cadeiras e comparar alturas entre si (Já chego ao teu ombro...) ou, com os pais, fazerem medições de alto a baixo, o livro pousado na horizontal sobre a cabeça, o pescoço esticado, que há pressa de ser grande. Fica o registo na ombreira da porta, o traço do lápis direitinho ao lado da data. Em centímetros ou metros, conforme a idade (Estás tão crescido!). E o sorriso a espreitar na boca, os lábios a abrirem-se... Ah e qual é a largura do vosso sorriso?
Quanto a ti, Meu Pássaro, não sei por que te empoleiraste na tartaruga. Comparar alturas não me parece ser interesse teu, cada um tem o seu tamanho e o seu voo, não é? Nem me lembro de alguma história de patos, pássaros e tartarugas. Mas, de repente, pensei em Pedro e o Lobo, uma história contada através da música composta em 1936 por um senhor chamado Sergei Prokofiev. As personagens são o Passarinho, o Avô, o Lobo, o Pato, o Gato, o Pedro e os Caçadores, cada uma representada por um instrumento musical diferente, mas não há nenhuma tartaruga. Paciência, ouve agora o disco, vais gostar da tua imagem em flauta transversal.
Está bem, faço-te a vontade, mostro a primeira página do dicionário e a outra com os ninhos. Não precisas de piar mais.  Sim, eu sei que as crianças gostam de ninhos.
M

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

241. O MEU PÁSSARO - Dia 11







 
Fotos de M

Está bem, faço-te a vontade, mostro-te a primeira página do dicionário e a outra com os ninhos. Não precisas de piar mais. Sim, sei que as crianças gostam de ninhos.
M

terça-feira, 1 de agosto de 2017

240. O MEU PÁSSARO - Dia 10


Foto de M 

Um livro com uma capa lindíssima, não é, Meu Pássaro? Julgo perceber o teu interesse por ele. De certeza que reconheceste alguma semelhança com paisagens onde esvoaçam penachos brancos que se soltam dos dentes-de-leão pelo sopro do vento e nos encantam pela leveza.
Este dicionário pertenceu à minha Tia Chanel. Curiosa como era, usava-o constantemente, em busca de resposta para as suas dúvidas sobre os significados das palavras. Bem me lembro de a ver manusear as páginas com muito cuidado e de me mostrar as gravuras que, nalguns casos, identificam as palavras e as complementam, outras vezes apenas pelo gosto de observar os seus traços finos e minuciosos. E também não esqueço que nem ela nem os meus Pais me poupavam quando eu, por preguiça, aliás frequente nas crianças nos primeiros anos de escolaridade, tentava obter junto deles o sentido de determinada palavra ou frase. A resposta era invariavelmente: Procura no dicionário. Não este, claro, só aprendi francês no liceu, uma língua lindíssima que me toca em particular. Não sei se foi por causa do hábito, se algum gene herdado, se a frase da Librairie Larousse na edição de 1931 Je sème à tout vent, ou tudo isso junto, que tenho a mania de me apoiar em dicionários para tentar exprimir o melhor possível o meu pensamento. Ainda por cima o acesso à Internet veio agravar esta minha doença crónica. Que diria a minha Tia Chanel se fosse viva? Ela que, tendo nascido em 1894 e morrido em 1988, costumava dizer com alguma ironia Nasci no século passado.
 
M