Foto de M
Quando
eu era pequena os meus Pais tinham uma empregada que me contava
histórias aterradoras. Uma delas era a de um ladrão que trepava as
paredes com pé direito alto do prédio antigo onde vivíamos e
entrava dentro de casa pela janela do meu quarto no terceiro andar.
Claro que seria impossível alguém chegar até lá, a não ser com
andaimes, mas eu não conseguia ter esse raciocínio e ficava
apavorada. Assim, mal anoitecia, fechava rapidamente as portadas, e
tremia de medo a imaginar o tal homem suspenso pelos braços, as mãos
cravadas no parapeito, preparado para entrar. Chegada a hora de me
deitar, enroscada em pensamentos assustadores, só conseguia
adormecer depois de espreitar debaixo da cama para me certificar de
que ninguém se tinha escondido ali. Espreito, não espreito, e se
está aqui alguém... Ui, o medo quase me paralisava! Teria sido mais
avisado se tivesse revelado aos meus Pais o que me afligia, mas nunca
o fiz e eles também nunca se aperceberam da arte de contadora de
histórias horríveis da empregada. O prédio existe ainda, enorme e
de boa saúde, rondo-o às vezes, mas nunca vejo ninguém com aspecto
de ladrão pendurado nele. Só durante as festas natalícias aparecem
por lá vários sósias de Pai Natal insuflável com os sacos às
costas carregados de presentes sonhados por meninos em cartas
escritas pela fantasia. Passam dias e noites equilibrados nos ferros
das varandas, plastificados a preceito, o debrum do gorro vermelho
misturando-se com as barbas brancas, o cinto preto com fivela dourada
envolvendo a barriga proeminente sob o casaco, sem que ninguém lhes
abra as janelas e receba as encomendas. Momentos de desilusão,
suponho, atenuados pelas descrições divertidas dos percalços
encontrados nas suas viagens em trenós puxados por renas, entre a
saída da Lapónia e a chegada ao destino. Talvez alguma criança
nos oiça, costumam gostar de aventuras,
comentavam entre si.
M