Foto de M
Já cá faltava o
pássaro encarrapitar-se no bengaleiro! Escolheu este poleiro
improvisado para passar a noite de ontem em vez do cantinho no
parapeito da janela da sala de estar onde costuma aconchegar-se. É
capaz de sentir a falta de jardins espaçosos com árvores frondosas
onde pode saltitar de ramo em ramo. Bem sei que os tectos de uma casa
escondem o céu, são de certo modo restritivos para quem aprecia o
ar livre, contudo tive sempre o cuidado de o deixar à solta por
aqui. Provavelmente num desses seus voos viu o chapéu de palha e
pensou que eu o usaria quando saísse de manhã. Uma bela
oportunidade para fugir... talvez viajando na minha cabeça...
ninguém daria por isso, andam todos na rua com os olhos postos nos
telemóveis, indiferentes aos tropeções provocados pelas pedras
soltas nos passeios. E ainda que alguma pessoa reparasse nele não
acharia estranho aquele ninho ambulante sobre a minha cabeça, há
tantas originalidades, tantas evasões à rotina, não é? Compreendo
que o Chapim Real se sinta um pouco constrangido neste meu ambiente
urbano de cidadã comum. Encontrei-o dentro da loja do Museu
Gulbenkian, entre pássaros de diversas linhagens, com nomes e
características diferentes, apaixonei-me por ele e trouxe-o comigo,
mas parece-me que nunca viveu completamente feliz aqui, provavelmente
saudoso do seu jardim, de outros ares e dinastias. Raramente pia,
apenas quando as crianças da casa ou eu lhe apertamos suavemente a
barriga, para nós um gesto carinhoso, se calhar desconfortável para
ele. Enfim, já não sei qual de nós os dois confundiu a realidade
com a fantasia, nem quero saber.
M