quarta-feira, 27 de abril de 2022

Velhice

Foto de M

Velhice

Associo a fotografia acima à velhice. A oliveira é uma árvore passível de viver centenas ou milhares de anos e bem carcomidas as vemos nos campos, algumas com rebentos. Na espécie humana raramente chegamos aos cem anos, apenas são milenares os registos de personalidades e acontecimentos que vão sendo guardados na memória da História. À medida que avançamos na idade esbarramos com a noção realista de que somos mortais. A nossa fragilidade confronta-se com a progressiva perda de capacidades que nos reduz os movimentos, o convívio social, a independência. Um sem fim de obstáculos, muros intransponíveis que por vezes nos desanimam. Valem-nos os outros muros onde nos amparamos para não perder de vista as cores que nos encantam no mundo terreno.

M

terça-feira, 19 de abril de 2022

Matura idade


Foto de M *

Matura idade, um tempo em que procurei, de forma mais esclarecida, viver e entender a vida em todas as suas vertentes, desconstruindo ideias, aceitando outras para as substituir ou completar, tentando preencher lacunas, conseguindo o equilíbrio interior nos momentos tristes, partilhando alegrias, sonhando a felicidade plena, desejando alcançar a luz possível dentro da sombria geometria do mundo. Não sendo a matura idade estanque, como nenhuma das anteriores etapas o foi ao influenciar a que se lhe seguiu, uso a mesma estratégia na fase que agora me acompanha e dá pelo nome de Velhice.

M

* (Três Apliques, anos 1930. Obra de Jean Perzel, 1892 – 1986, Bruck, Alemanha, Paris. Vidro fosco e metal dourado, 23x29x7 cm (cada), armações marcadas: PERZEL. No B-MAD, Berardo Museu Arte Deco)

quarta-feira, 13 de abril de 2022

Juventude


Fotos de M *

Juventude. A minha, com novas roupagens, horizontes mais alargados, menos timidez, escola laica, feminina ainda, a bata cinzenta clara com o número de bolas e cores diferentes bordadas na parte da frente da cintura consoante o ano frequentado. Professoras exigentes a serem provocadas pelas alunas, disciplinas difíceis, matérias apreciadas, Português, Francês, Inglês, História. Matérias incompreendidas também, mas que se iam estudando com a esperança de as vir a compreender. Nas aulas de Geografia, os nomes dos rios a serpentear no mapa de Portugal e na minha cabeça. As aulas de bordados em bastidor (As artes que eu aprendi! E por acaso até gostava). Nos intervalos, o Jogo do Ringue, o Jogo da Rolha, as corridas no velho pátio das traseiras do edifício. Mas também existia a Mocidade Portuguesa (outra farda obrigatória), o Canto Coral e as canções que provocavam risos quando lhes alterávamos as letras. (Pobre professor!) As amigas que comigo faziam a pé o trajecto para o liceu. Um outro liceu depois, à época uma experiência de escola mista do Ministério da Educação para as alunas da área de Letras após o 5º ano. Uma única turma mista de doze, seis raparigas sentadas nas carteiras da frente, seis rapazes atrás, obrigatoriamente em recintos separados nos intervalos das aulas (!!!). Que tempos tão longínquos. Tão longínquos como as férias de verão. Os meus Pais nunca tiveram o hábito de frequentar sempre a mesma praia, variavam de poiso. A preferência pendeu para a tal aldeia na zona do Bussaco que tem um lugar especial dentro de mim. Foi lá que passeei nos campos com girassóis e corvos a lembrar-me Van Gogh, comi espigas de milho à luz do candeeiro Petromax, apanhei cachos de uvas e amoras, enchi jarros de água na fonte da horta, andei de carro de bois até à Feira da Espinheira, vi dar de comer aos porcos, vi cozinhar chanfana, ouvi os diversos sentimentos expressos no toque dos sinos na limpidez do silêncio (e como eram impressionantes), aprendi com a minha Mãe a encontrar a Ursa Maior no céu nocturno. Foi lá também que tive a companhia das minhas duas amigas especiais, e ríamos tanto. Transformou-se a minha juventude em matura idade e velhice, com a aldeia a gostar da família alargada. Estamos agora as duas mais solitárias e cansadas, mas ainda nos reconhecemos.

M

* (Tamara, anos 30, obra de Demetre Chiparus, nascido em 1886 em Dorohoi, Roménia, morte em 1947, em Paris. Bronze, marfim e mármore, 41x66x20 cm. Marcado na saia D.H. Chiparus. No B-MAD, Berardo Museu Arte Deco)