sexta-feira, 10 de abril de 2009
96.
Foto de M
Estava eu na esplanada junto ao jardim em conversa amena à mesa de um almoço de açorda de camarão, eis senão quando foi a pacatez do lugar usurpada por voos de pombos atrevidos a rasar as nossas cabeças. Acorreram rápidos os empregados – até àquele momento estáticos no vazio da espera de novos comensais – que, com acenos amplos de braços e mãos, os convidaram a subir aos beirais dos telhados da vizinhança. Empreendimento avisado, claro, não fossem as aves deixar vestígios indesejados sobre a tarde que se queria generosa em matéria de condimentos e degustação. Confesso, no entanto, que este movimento de aterragem e levantamento próprios de um aeroporto a contas com os controladores de tráfego aéreo me perturbou um pouco, o que me levou a desviar a atenção dos esgares preocupados de quem tinha entre mãos voos de alto risco.
Foi então que, ao olhar para cima, tentando assim fugir ao alvoroço terreno a meu lado, vi o silêncio de passos desconhecidos delicadamente pendurados num estendal e de imediato os pensei à procura de sol nas sombras dos dias. O que não me admiraria, já que a janela aberta onde esvoaçava uma cortina ao jeito de bandeira da paz mostrava um buraco negro de proporções inumanas. A não ser que se tratasse da entrada para alguma central de pombos-correios treinados para a entrega de mensagens de índole universal... O que também não me pareceria estranho neste nosso mundo de malabarismos vários usados para tentar resolver o desacerto da linguagem humana. Enfim, agarremo-nos às asas da dúvida sistemática, pois o que importa é o voo do pensamento.
M
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12 comentários:
Malabaristas, as palavras? Simuladoras de vôo?
Também pombos-correios de pensar.
Bj
Os voos poéticos a partir do quotidiano prosaico não está nas mãos de todos, por mais controladores aéreos que tenhamos a ajudar...
E tu conseguite levar-me nas asas das tuas palavras!
Beijo, sorrindo:))
assim misturas me pões a sorri :D
(gostei do "jeito de bandeira da paz mostrava um buraco negro de proporções inumanas", grande verdade as pombas são umas porcas e as bandeiras brancas esburacadas, a paz perdeu os simbolos)
"Vi o silêncio de passos desconhecidos delicadamente pendurados num estendal e de imediato os pensei..."
Mais uma vez me delicio a ler-te os pensamentos e pelos comentários anteriores, vejo que não sou só eu que me descubro com um sorriso nos lábios!
Beijinho!
Dou muita atenção ao que escreves, porque é um Blog especial. É sério, tem bons textos, e não entra em disputas, que soam a catarses feitas sob a capa do encobrimento ou anonimato. Mas como tudo tem o lado obscuro, porventura é esse o dos blogues. O teu é luminoso, mesmo quando o céu está cinzento. Tem bonra. e nos tempos que vivemos, é muito bom, sentir que o homem, talvez, valha a pena. Além de que é uma escrita muito limpa e poética.
Solange
era o que faltava...
depois da "vestígios indesejados (das aves)sobre a tarde" a ameaça de "guilhotina" dos sapatos na cabeça...
... antes a açorda!
subtil (e delicada) a ironia.
beijo
"Enfim, agarremo-nos às asas da dúvida sistemática, pois o que importa é o voo do pensamento."
Grande verdade!
Importa o voar do que levamos de importante
BEijinhos.
Tia M.,
Um Chuac de Abril...
para ti....................
Tirando esses perigosos malabarismos aéreos mais as suas altamente prováveis consequências, quanto ao resto eu quase diria que alguém se aprestou (ou tentou, sei lá!...) deitar os pés à parede!
Abraços!
p.s. - a minha sempre gratidão por todo este tempo, sempre lá, ao lado da minha ausência. (e lá está a explicação daquela coisa do vestido bragantino...)
Um momento meu conhecido pelo que ainda melhor posso apreciar a reflecção NA esplanada.
adorei! ;)
beijo daqui.
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