Foto de M
Doce é a luz da sonolência num lugar de silêncios.
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Foto de M
É terrível a perda de alguém que amamos. Contorcemo-nos de dor no vazio de nós mesmos e tentamos reconstruir a teia da vida como aranhiço em casa desabitada.
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Foto de M *
Há expressões muito pertinentes na língua portuguesa. De uma delas serviu-se o meu irmão num dia em que me queixei de qualquer desentendimento penoso entre o meu corpo e certas tarefas que lhe eram exigidas em determinadas circunstâncias.
Estás presa por arames, disse-me, um sorriso provocatório espalhado no rosto. Achei-lhe graça e de imediato me revi naqueles bonecos de madeira que, expostos nas tendas de artesanato à curiosidade de quem passa, parecem prestes a desconjuntar-se ao mínimo toque.
Mas pelos vistos esta percepção que temos de forças em equilíbrio e desequilíbrio inspira também um outro género de arte, a dos artistas mais consagrados, digamos. O que me leva a pensar que o facto de se estar preso por arames não se aplica em particular a alguém com dificuldades específicas num ou noutro momento. Julgo que abrange um campo mais vasto – o da fragilidade inerente à existência humana – e que provavelmente só através da amarração à consciência dessa realidade seremos capazes de encontrar a estabilidade possível.
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* Fotografia de uma parte da instalação Amarração, 2008, de Pedro Cabrita Reis, Colecção Museu Berardo, no exterior do Centro Cultural de Belém.
Materiais usados: alumínio, madeiras, escadas, lâmpadas fluorescentes, cabos eléctricos, aço e pneus.
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Gosto de as deixar ali depois do meu banho matinal, assim debruçadas sobre a janela aberta em conversa amena com o sol.
Gostos de aldeia, pensará quem me lê. Talvez sejam, sim, mas eu conheço as minhas toalhas na intimidade e sei como apreciam as histórias de astros e céus que o sol lhes conta.
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Ali foi deixado. Como frágil barco de menino preso na margem de riacho seco, dentro uma multiplicidade de sabores campestres mordidos até ao caroço. E o mar à distância do olhar.
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Leve o gesto de abrigar o dia dentro do silêncio límpido da noite.
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Outono. Regaço de um tempo sereno. Lugar de luz coada, lento e paciente o passo ao encontro da cor despojada da vida.
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Reparei nele. Estava suspenso sobre o areal, a pele gretada pelo calor imenso, a tira preta a lembrar-me transpirados atletas de cabelos longos em treinos ao ar livre.
Interessante a ideia de quem o pensou ali de forma tão estética e adequada à natureza do lugar. Um simples caixote do lixo no caminho descalço de quem atravessa o verão com o frenesim consumista nas mãos. Como precaução, suponho, de alguém que conhece os gestos distraídos dos caminhantes e deseja que a luz permaneça pura.
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Foto de M«Caminha pela estrada, acharás pousada»
Rifoneiro Português por Pedro Chaves (2ª edição), Editorial Domingos Barreira