quarta-feira, 23 de novembro de 2011

160.


Foto de M

Toda a vida ouvi falar dela.
De início não sabia exactamente quem seria aquela I. que tanto desanimava uns como alegrava outros. Havia frases por completar a pairar por perto, proferidas algumas num lamento quase inaudível. Ai se não tivesse esta id…, palavras entaladas nos lábios, como que arrependidas, uma lágrima a luzir no rosto enrugado de alguém. E eu perdida nos mistérios da linguagem. Depois, de repente, num outro contexto, nova referência à I. a prender-me a atenção. Saída de uma outra boca, autoritária esta, lançada com impaciência às súplicas dos meninos meus amigos: Nem pensem, ainda não têm idade para isso! Diante da proibição severa, cruzavam-se braços tentando conter a contrariedade, os olhos lançavam chispas, a porta do quarto batia com força.
Na minha inocência de criança, a I. parecia ser um objecto que se comprava ou recebia, talvez um presente de aniversário, mas pelos vistos susceptíveis de recusa em determinadas situações.
Um dia, contando eu aos meus pais as interrogações que me assaltavam o espírito, responderam-me a rir: Já tens idade para ter juízo, cresce! E eu cresci, e compreendi quem era a I. e a ligação existente entre ela e cada pessoa. Tornámo-nos íntimas, convivência agradável, ritmos de vida conciliáveis, um ou outro desajuste sem relevância. No entanto, há uma particularidade sua que me tem causado alguns problemas nos dias de hoje: às vezes cala-se muito bem caladinha e, de repente, prega-me um susto. Antigamente achava-lhe graça e partilhava com ela essas brincadeiras infantis. Agora fico um pouco inquieta. Claro que isto é apenas um desabafo, não faço tenção de me zangar, deve estar esquecida de que já não sou uma miúda.
M

domingo, 20 de novembro de 2011

159.


Foto de M

Na imensa planura azul os barcos abrem caminhos ao voo das gaivotas.
M

sábado, 19 de novembro de 2011

158.


Foto de M

O melhor é rir, rir muito. Com o tempo breve do riso em espasmos de gargalhadas enormes a saírem-nos da boca, ruidosas. Depois é deixar que o riso se feche pouco a pouco entre os lábios trémulos de desencanto. Será então que alguém dirá, uns segundos antes de ele desaparecer por detrás de si mesmo: Estás com um sorriso amarelo! Que te aconteceu? Tão de repente!...
Sim, o melhor é rir. Para que o choro não morra dentro de nós e se resguarde no colo dos pensamentos tristes à espera de consolo.
M

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

157.


Foto de M

Olharam-se de esguelha. Ele, o bicharoco esquelético, agarrava-se à portada, não direi com unhas e dentes porque os não teria, mas com a possível elegância necessária às situações de equilíbrio em que os insectos se movem. Elas, rechonchudas e coradas do sol aldeão a crestar-lhes a pele, assim apanhadas de surpresa, sussurravam palpites sobre aquele ser de membros desproporcionados que lhes rondava o peitoril da janela. As opiniões divergiam. De onde virá? Que ousadia aproximar-se assim do nosso solário! Não acho, coitado, deve andar perdido. Vou perguntar-lhe o que procura… Nem penses, era o que nos faltava! Quero estar sossegada.
(Deu-me vontade de rir "o pernalta", porque me lembrei do homem-aranha dos filmes americanos a trepar arranha-céus downtown. Que contraste com a pacatez deste lugar chão!)
Não faço ideia se chegaram a entabular conversa uns com os outros ou se preferiram ignorar-se. Eu estava apenas de passagem. Atravessava as horas do meu dia de silêncios com a curiosidade fotográfica pendurada no ombro e isso bastava-me.
M

sábado, 12 de novembro de 2011

156.





Fotos de M

Associação de ideias. Prolongamentos. Afectos.
Apenas isso e tudo isso.

M

155.


Foto de M

Pé ante pé, ao encontro das cores do mundo.

M

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

154.


Foto de M

Voltei a ouvi-los pelas ruas do bairro naquele seu chamamento que me confrange por me parecer um grito de desespero no desencanto dos dias.
Espreitei-os de longe. Eram dois. Um deles, sentado na bicicleta, alternava o movimento mágico da roda de esmeril a lançar chispas no ar com o gesto de avaliar com a ponta dos dedos o gume da lâmina que afiava. Ao de leve, repetidas vezes, como se a acariciasse.
A dada altura parou, suponho que satisfeito com o resultado conseguido. Retirou então outras facas de dentro da caixa de ferramentas colocada atrás do assento da bicicleta e acautelou-as num saco de plástico juntamente com a que tinha acabado de amolar. Atravessou vagarosamente a rua e tocou à campainha da porta de um dos prédios, de onde regressou passados alguns minutos com um molhinho de notas na mão. Percebi que as contava e que, com um gesto aberto, entregava uma parte ao companheiro.
Depois, enquanto se preparavam para ir embora, sopraram de novo as gaitas usadas como voz de distâncias e, correndo com o olhar as janelas debruçadas sobre o passeio, afastaram-se sem pressa.
M

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

153.


Foto de M

Pousada no ombro macio da luz.
M

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Provérbios Fotografados - 11


Foto de M

«Se o inverno não erra caminho, tê-lo-ei pelo S. Martinho»

Rifoneiro Português por Pedro Chaves (2ª edição), Editorial Domingos Barreira

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

152.


Foto de M

Uma conchinha a abrir-se na praia da vida.
M