quinta-feira, 10 de novembro de 2011
154.
Foto de M
Voltei a ouvi-los pelas ruas do bairro naquele seu chamamento que me confrange por me parecer um grito de desespero no desencanto dos dias.
Espreitei-os de longe. Eram dois. Um deles, sentado na bicicleta, alternava o movimento mágico da roda de esmeril a lançar chispas no ar com o gesto de avaliar com a ponta dos dedos o gume da lâmina que afiava. Ao de leve, repetidas vezes, como se a acariciasse.
A dada altura parou, suponho que satisfeito com o resultado conseguido. Retirou então outras facas de dentro da caixa de ferramentas colocada atrás do assento da bicicleta e acautelou-as num saco de plástico juntamente com a que tinha acabado de amolar. Atravessou vagarosamente a rua e tocou à campainha da porta de um dos prédios, de onde regressou passados alguns minutos com um molhinho de notas na mão. Percebi que as contava e que, com um gesto aberto, entregava uma parte ao companheiro.
Depois, enquanto se preparavam para ir embora, sopraram de novo as gaitas usadas como voz de distâncias e, correndo com o olhar as janelas debruçadas sobre o passeio, afastaram-se sem pressa.
M
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3 comentários:
"Lá" o disse. Aqui acrescento: a descrição é apurada e fascinante, pela modulação de ideias várias que apreendes.
É um som do passado, M. Nem aqui na aldeia já se encontram amola-tesouras!
tb me confrange..
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