sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

O Prazer de Viajar - 64


Foto de M

«Com uma noite quase em claro, João Garcia conseguiu chegar à Matriz a tempo. As cerimónias decorriam com um ritmo grave e inalterável. Não se ouvia uma mosca. Os padres iam e vinham do altar armado no transepto; e aquela alteração no estilo do culto, aproximando-os do povo, como que tornava mais íntimo o seu sentido trágico, humanizado no celebrante de alva cingida e tufada, autenticamente compungido naquela melopeia precursora da imolação de um Cordeiro que desencadeava a cólera do Deus da Montanha e a representação do fim de tudo.
Na Matriz da Horta, quando havia endoenças, comprava-se só cera amarela. Metiam-na num soluto sujo, como se fosse engraxada. Com a desnudação dos altares e os cortinados negros, já desfranzidos nas janelas à espera da hóstia consumida, enlutava-se tudo; caía uma sombra quase táctil, cortada das palavras rituais: In spiritu humilitatis, et in animo contricto suscipiamur a te, Domine…»

Mau Tempo no Canal, Vitorino Nemésio, Publicações Dom Quixote


Igreja Matriz da Horta, Ilha do Faial, Açores

Para os mais curiosos, aqui fica esta interessante informação:

http://orgaos-a-cores.blogspot.com/2009/06/actualmente-o-unico-funcional-na-ilha-o.html

1 comentário:

Licínia Quitério disse...

Já um tanto dissolvido na memória, fui agora revisitar o interior desta imponente igreja. Lembro como chovia no dia em que lá estive. Chuva passageira, de quatro estações diárias, como se diz dos Açores.