Foto de S. (O homem que não gostava de romãs)
Numa
Tarde de Outono
Convidou-o a sentar-se
consigo à mesa, mas ele recusou-se a fazer-lhe companhia,
respondeu-lhe que não gostava de romãs. Como se gostar ou não de
romãs tivesse alguma importância numa tarde em que ela lhe queria
falar dos seus medos de criança! Um pavor que ficara para sempre
colado à lembrança do bramido do mar, o seu corpo de menina batido
pela fúria líquida, o medo escorrendo em remoinho pelos cabelos,
apossando-se dela, engasgando-a. De quase nada lhe valera a corda
grossa presa entre o areal e a bóia que flutuava nas águas
assanhadas. Mergulhara e subira à superfície repetidas vezes, as
mãos e os braços doendo de força ao longo da corda, cada
centímetro arrastado esfolando-lhe os dedos gelados e apoderando-se
pouco a pouco da distância que a separava da areia. Acabara por cair
extenuada em cima de um tapete de algas escorregadias, como se fosse,
também ela, uma alga lançada pelo ronco medonho de uma onda sobre o
areal.
Nesta tarde de Outono
ela está só, encostada a uma mesa coberta com uma toalha delicada
de pedra que abana ligeiramente com a brisa. Ao longe, na vastidão
da praia, o mar e o homem que não gostava de romãs.
M
(2005)
1 comentário:
Quando as memórias infantis dos medos provocados pelo mar coincidem, a gente emociona-se - e foi o que me aconteceu ao ler o teu texto!
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