Foto de S. (Texturas)
O
Medalhão
O
medalhão, que mais parece poisado ao de leve na parede desta casa de
pedra em tons ferruginosos, trouxe-me à ideia aquelas senhoras que
põem uma jóia no decote da blusa quando se alindam para sair.
Outras vezes de lado, em equilíbrio no ombro do vestido, para lhe
dar realce, ou ainda noutras ocasiões, preso na lapela do casaco.
Casaco de Inverno, de tecido de lã quente, fofo, encorpado, com
borbotos a acrescentar-lhe certa graça. Não, não é comprado no
armazém de pronto-a-vestir, que há hábitos antigos que ainda se
mantêm por aí. Estou a vê-lo, o empregado da loja atencioso,
retirando da prateleira atrás de si a tábua de enrolar fazenda.
Poisa-a em cima do balcão, desdobra o tecido com mãos de
conhecedor, dá-lhe alguma forma para que a cliente o imagine em
figura de gente. Veja
o toque desta peça, minha senhora. E
espera, e observa, e sugere. E mede, a régua de madeira incrustada
no balcão, gasta de tanto toque, de tanta medição rápida, de
tanta elegância de gestos. Depois corta, a tesoura em pressa afiada
de atleta cortando a meta: tantos metros para casaco curto, outros
tantos se o quiser comprido.
Seguidamente
é a modista quem toma conta da situação: mostra a revista da moda
de Outono-Inverno, a estação da melancolia, dos tons suaves, da
resignação da Natureza. E aguarda. E aconselha, que a sua função
não é apenas a de talhar, alinhavar e coser tecidos. Conhece os
gostos da cliente: − Parece-me que à senhora a favorece mais um
casaco a direito, bem comprido. Realça-lhe o corpo. Como é magra…
A
cliente está indecisa, folheia de novo a revista (a modista é
paciente). Decide-se pelo modelo de gola estreita e rebuço, a pensar
no medalhão que pertenceu à avó. Fica ali muito bem, sóbrio e
elegante, a condizer com os tons do casaco. Sorri. Lembra-se daquele
outro medalhão maior que ornamenta uma das paredes da casa antiga
dos bisavós, no meio do jardim onde brincava em criança. Como um
alfinete preso na lapela de um casaco…
M
(2005)
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