terça-feira, 21 de julho de 2020

DO QUE GOSTO 41


Foto de S. (Fim de tarde na parede)

Bolas de Sabão

Este vício de ir buscar o passado e de o trazer pela mão até ao presente…
Quando eu era menina, gostava de me sentar junto de uma das janelas de sacada do terceiro andar onde vivia segurando no colo uma tacinha com água e sabão azul em pequenas lascas que eu mexia com um canudo de cartão. No tempo em que as linhas de coser eram enroladas em canudos de cartão que, depois de despidos das suas vestes de algodão fino, deixavam de ter préstimo na caixa de costura da minha mãe. Ah, como era bom soprar, soprar, soprar aquela mistura aquosa e ver até onde crescia cada bola! Um desafio, quase uma luta corpo a corpo, e aguardar que elas se soltassem e se escapassem janela fora, embebidas nas cores do arco-íris. Como era engraçado vê-las a balançar na extremidade do tubo, parecendo indecisas − vou, não vou?... −, e segui-las no seu voo livre! E depois desejar que se aguentassem na sua fragilidade, que se misturassem com o azul do céu, que não rebentassem nunca. Mas algumas explodiam de imediato, reduziam-se a nada, viviam apenas instantes breves de cor e cristal. Oh! E eu voltava a soprar esses instantes, compulsivamente, até que eles se esgotassem dentro da taça que a minha mãe me tinha dado e que eu abrigava no colo.
Às vezes penso que a vida não é mais do que uma bola de sabão, daquelas que fazemos quando somos crianças.
M

(2005)

3 comentários:

Anónimo disse...

Duas gotas de água penduradas no arco-íris, uma beleza imaginada!
B

Mónica disse...

a fotografia é intrigante, é uma montagem?

Isabel disse...

Também fiquei intrigada...