Luz na escuridão. Duas fitas douradas no tempo. A enfeitar o
cabelo ou debrum de vestido leve. Um tempo que encarquilha. Também nas capas
dos livros, como este, mas não lhe tiro as rugas. Esteve entre outros, semiescondido
numa das prateleiras da estante. Há dias resolvi pô-lo ali em evidência, a caixa
por cima, gosto de vê-los juntos, paisagens humanas que me comovem, nem sei bem
explicar por que razão me deu agora para os fixar tanto sempre que olho os
vários objectos que moram na minha estante. O livro pertenceu à minha Tia
Chanel, uma edição de 1934, tem a sua assinatura na primeira página, 1940 a
data assinalada. Não sei se o comprou, onde, se o encomendou directamente de França, se lhe foi
oferecido pelos seus 46 anos, por quem, quando o leu, nem sequer me lembro de
alguma vez o ter visto em nossa casa. Apenas sei que tem dentro um simples papelinho
escrito à mão, de 1985, dedicado à sua sobrinha neta: “… para quando ela souber
francez!”. A sua sobrinha neta não será capaz de o ler, é de uma geração onde o
ensino do Inglês impera, o Francês caiu em desuso a nível mundial, infelizmente
não conhece a beleza desta língua. Eu tive sorte na minha juventude, mais horas
de aprendizagem, e uma excepcional professora de Francês no liceu, malgré
não ser ela pessoa para brincadeiras. Demasiado austera, não esqueci o seu nome
nem o que me ensinou. Li há dias pela primeira vez o livro encarquilhado, as folhas manchadas, imaginei a minha Tia absorvida em cada página, a história
encantou-me, bem sei que pertence a uma época determinada, mas o tema de base parece-me
inesgotável, apenas vai mudando o modo de o tratar. Aliás, li O Pequeno
Lorde em português quando criança, e A Princesinha, da mesma autora, oferecido
pela minha Mãe num dia em que eu estava de cama, doente com uma qualquer
habitual doença infantil, estou a ver a cena e a minha satisfação a recebê-lo. Pertenciam ambos
à Colecção Azul, assim como Memórias de um Burro, o único de que gostei
da Condessa de Ségur, odiei todos os seus outros livros.
Para o que me havia de dar… vá-se lá explicar este contínuo passeio pelas prateleiras da minha vida.
M