sexta-feira, 13 de agosto de 2021

A NOSSA NECESSIDADE DE CONSOLO

Foto de M 
 
Porque vivo há trinta anos numa casa cheia de objectos que me dizem muito, por vezes apetece-me fotografá-los, uma espécie de prova silenciosa do carinho existente entre mim e eles. Assim aconteceu com esta fotografia tirada há dois meses. Guardei-a numa pasta a que chamei Baú, visitando-a amiúde e questionando-me se a perspectiva escolhida por mim teria sido a melhor para realçar a essência do que sinto pelo que retratei. Assim a tenho continuado a olhar.

Pois um destes dias, num telejornal de que não recordo a data nem qual a estação que o divulgou, ouvi uma notícia que me impressionou (mais uma…) e me trouxe de imediato ao pensamento este meu cantinho de estimação (mais um também). A notícia mostrava imagens de cegonhas vítimas de uma tempestade terrível (não me lembro onde) a serem tratadas por veterinários e voluntários que tentavam salvá-las da morte, lhes limpavam as penas e lhes davam de beber directamente no bico, e elas ali, o olhar triste, sofredor, carentes de consolo. Lembrei-me logo do meu livro O Silêncio das Cegonhas, tão bonito ele é, tão vivas nele as imagens destas aves que voam livres e constroem os seus ninhos junto ao céu. Ah e as outras tão desprotegidas pelas intempéries! Bem a propósito está ali o livro de Stig Dagerman A Nossa Necessidade de Consolo é Impossível de Satisfazer. Necessidade universal essa todos a temos, pessoas e animais. O bule, pois, o bule, na sua oriental leveza azul “Hand painted in Thailand” e pega elegante foi um presente de alguém sensível que reparava em objectos bonitos e prevenia muitas vezes a minha necessidade de consolo.

Joyce está ali encostado ao bule, ou o bule amparando-o a ele. Dos cinco livros que tenho de James Joyce, nunca consegui ler o Ulysses, até o comprei traduzido em português para tentar lê-lo mais facilmente. Nem assim. Consolei-me com os outros quatro, um deles The Joyce We Knew – Memoirs Of Joyce, com textos escritos sobre ele por cinco contemporâneos seus, entre os quais alguns amigos próximos. Gosto muito de conhecer o olhar e as impressões de quem privou de perto com a pessoa para lá da obra, seja ela literatura ou qualquer outra arte.

M

O Silêncio das Cegonhas, Carlos Inácio e Pedro Inácio, Design gráfico - Nelson Florentino, Impressão Ligrate - Atelier Gráfico, Lda, 2011

A Nossa Necessidade de Consolo é Impossível de Satisfazer, Stig Dagerman, Fenda, 4ª edição, Junho de 2004

3 comentários:

Mónica disse...

Interessante reflexão caseira, a associação dos pensamentos, os livros, as notícias, o bule.. bonitas misturas

bettips disse...

Do interior das estantes e dos livros, chegam as palavras e pensamentos num entretecer tão teu!
O livrinho das cegonhas é um amor.
A nossa necessidade de consolo... é bater tantas vezes a uma porta fechada, uma casa abandonada. O desvelo das nossas mães, de algumas amigas em seu tempo, de companheiros - e nem sempre - perde-se nas saudades, ausentes da linguagem comum e pessoal.
Esvoaça alto, como as cegonhas.
E penso nelas e no "desvelo" porque as vejo vigilantes e trabalhadoras com os pequenos filhos.

Justine disse...

Também vi esse documentário (creio que foi um dos grandes incêndios deste verão, algures no mundo), e fiquei perturbada com o sofrimento das cegonhas mas animada com a solidariedade dalguns!
E o livro sobre elas, ah o livro é um hino a esses bichos simpáticos, elegantes, amigos dos humanos. Obrigada a quem mo deu a conhecer!
Quanto à nossa necessidade de consolo, M., concordo com o Dagerman, e por vezes temos de fingir que não temos essa necessidade…