quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Passeando no Tempo


Fotos de M

A minha primeira viagem foi em março de 1946, de Lourenço Marques para o Porto, tinha eu quatro anos e meio. Num navio enorme, com rito de passagem da Linha do Equador incluído. Demorada, cerca de um mês, a maior viagem que fiz. Antes, aconchegada na barriga da minha Mãe, passeei com ela durante nove meses até ao dia do meu nascimento. No seu colo e no do meu Pai fui depois recebida com ternura, o carrinho de bebé outro colo onde adormecia e me levavam a mostrar o mundo fora de casa. Fui crescendo. Aprender a andar sozinha tinha sido uma conquista, mas dava jeito a cadeirinha onde me sentavam quando saíamos. Ou o automóvel do Pai para irmos mais longe, à Namaacha e ao Umbeluzi.

Chegado o navio ao porto de Leixões, fizemos um transbordo para barco pequeno baloiçando como casca de noz sobre ondas agitadas na aterradora escuridão da noite. Existia o desejo de visitar tios e primos do lado paterno. Estadia breve, esperava-nos o comboio no Porto para nos trazer até Lisboa ao encontro do resto da família que eu nunca tinha visto senão em fotografias. A nossa casa era agora a dos meus avós paternos, a curta distância da Tapada da Ajuda, um jardim onde eu e o meu irmão gostávamos muito de passear a pé ou de trotinete. Marcou-me para sempre na minha ligação íntima com a Natureza.

Gostava de andar de autocarro e de eléctrico, era uma coisa nova para mim, ir à Baixa com a Tia Chanel ou com a minha Mãe um passeio bom. Lembro-me de ir sentada ao lado delas no chamado “banco dos palermas” com pessoas desconhecidas igualmente sentadas num outro “banco dos palermas” à nossa frente, muito caladas, a olharmo-nos curiosas. Só me faltava viajar num avião, para lá de, nalgumas tardes de domingo, irmos vê-los aterrar e levantar voo no aeroporto da Portela. Era vulgar distrairmo-nos assim nesses longínquos anos. Estreei-me da melhor maneira, já adulta: um desses pássaros de asas sempre abertas pousou-me em Paris! Paris la belle! Não é um transporte que me agrade muito, confesso. Talvez tenha ficado com algum trauma do dia em que, envolta numa fralda, viajei de França até África pendurada no bico de uma cegonha… Que confusão me fazia aquela explicação sem sentido dada pela minha Avó sobre o meu nascimento!

M

1 comentário:

Anónimo disse...

Dos pequenos passos da menina chegada à "capital do império"... aos voos da Europa que descobriram ao vosso ritmo. Uma descrição muito bela.
B