quarta-feira, 15 de março de 2023

Provocações mútuas

Dona Consciência

Vê-se bem que não limpas o pó… Que inconsciência! – disse a Dona Consciência das cabeças adultas. E continuou o sermão: - Não tens mais nada que fazer do que andar a brincar às internetas? No meu tempo não havia tempo para…

- No seu tempo não havia tempo? – interrompi eu com ar de gozo, olhando-a de alto a baixo, porque ela era enorme, uma perfeita avantesma. - Então decida-se lá, o tempo era seu ou não? Não percebo! E fique sabendo que não são netas. Eu ainda não tenho nem netos nem netas, isso é para os meus amigos adultos.

- Não sejas atrevida! – respondeu Dona Consciência, inchando-se-lhe e empurrando-se-lhe o afogueamento dentro das barbas do espartilho até se pendurar ufano nas suas duas bochechas até aí pálidas de ciência adquirida com s no meio.

Estás quase a perder a tramontana, que eu bem te conheço!, pensei com os meus botões, porque eu gosto muito de coleccionar botões para depois conversar com eles. Há-os com dois buraquinhos, com quatro e sem nenhum. Esses têm apenas um pequeno pé. Eu acho mais graça aos que têm furos, sempre se pode olhar para mais sítios, os outros ficam sem ar, sempre agarrados aos tecidos onde os pregam. Eu julgo que nem pondo o pé de lado eles conseguem ver alguma coisa.

- És uma perfeita criança! – disse a Dona Consciência olhando-me com desdém, ao mesmo tempo que deixava que o seu sorriso cheio de tramontana espreitasse por entre os seus lábios trémulos, que mais pareciam duas minhocas rosadas. – Vê se cresces!

Eu calei-me e fiquei a olhar para mim à espera de me ver crescer. Será que se vê?

M

3 comentários:

Anónimo disse...

Não se vê nadinha ou pelo menos eu não tenho consciência disso...
Viro-me para os meus botões que também os tenho.
E rio-me!
B

Justine disse...

É tão saudável manter em nós um pouco da criança que fomos! E a tua estória está excelente de humor e imaginação

Mónica disse...

Ahahah conheço essa dona, amiga do senhor pó, juntos, andam muito por aqui