Fotos de M
Verão
Memórias frescas destes meses de verão não sei se terei, pois que o calor de agosto foi insuportável. A rua fervia em poeira e obras. No prédio do lado, empoleirados no telhado, meia dúzia de homens retiravam as telhas velhas, verificavam a solidez das traves de madeira, substituíam as que tinham sucumbido de velhice no seu posto, aparafusavam as que pareciam desconjuntar-se, colocavam telhas novas. Uma a uma, todos os seus movimentos à torreira do sol, a transpiração escorrendo-lhes nos corpos curvados, dias e dias seguidos. Eles naquele inferno ao ar livre. Eu, resguardada na penumbra abafada que as persianas das janelas da minha casa me ofereciam, pensava em sombras e jardins. Por associação de ideias com outros trabalhadores braçais, lembrei-me da estátua O Cavador que em tempos fotografei no Jardim da Estrela por me ter impressionado. A posição do corpo, a expressão cansada do rosto, as rugas na testa, a aba corroída do chapéu, as veias salientes dos braços e mãos que seguram a enxada, a manga arregaçada da camisa suada… Gostei daquele homem de pedra humanizada remexendo a terra do canteiro desde 1913! Cem anos entre ele e os meus vizinhos de agosto no topo do prédio, um e outros no seu tempo de ser e estar. Não conhecia o autor desta estátua magnífica. Decidi então aproveitar a disponibilidade da minha curiosidade para procurar o nome do escultor e dessa maneira temperar esta coisa maluca em que as estações do ano parecem agora ter-se transformado. Encontrei-o: António Augusto da Costa Motta (Coimbra, 1877- Lisboa, 1956), conhecido por Costa Motta (sobrinho), nascido numa família de pintores e escultores de obra de renome. Valeu a pena este pedaço de verão abrasador! E preciosa é a leitura do que nos links abaixo se conta sobre este escultor.
M
(*) A minha primeira resposta ao desafio proposto pela Bettips no Palavra Puxa Palavra de setembro «Certamente estarão frescas – se esta palavra é possível no contexto em que andamos todos - as vossas memórias destes meses de Verão. Por isso começo com a época actual, pedindo as vossas sugestões de fotos e/ou palavras para as quatro estações do ano.»
3 comentários:
A estátua para amanhã representa bem o calor e o esforço dos trabalhos, na terra e no campo, nos prédios, nas estradas, no Verão. Pormenores de músculos e contrações de fadiga evidentes.Uma alternativa bem escolhida, M.
B em 5.9
Preciosa escultura! E vou ler os teus links, para ficar mais informada.
Belos pormenores, estarei devidamente atenta da próxima vez que lá passar, obrigada M.
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