Foto de S
Foi
há 18 anos. Queríamos muito visitar a Polónia. Em julho de 2005, viajámos de
avião até Varsóvia para nos juntarmos a uma excursão de 32 espanhóis organizada
por uma agência de viagens espanhola, com guia espanhol, e percorrermos parte do
país em autocarro, conduzido por um polaco que era um verdadeiro senhor.
No último dia da viagem regressou cada um à sua cidade: Lisboa, Barcelona,
Madrid, Valência, Bilbao... A horas diferentes, a começar de manhã cedo. O
nosso voo foi o mais tardio, pelo meio da tarde. Ainda deu tempo para voltarmos
a passear por Varsóvia, por ruas onde não tínhamos estado. Encontrámos uma loja
de ferragens ao estilo das nossas, com escadotes à porta, objectos pendurados
semelhantes aos nossos. Foi estranho pressentirmos ali alguém que podia ser o
senhor Silva ou o senhor António a que estamos habituados. Tão longe!
E eis-nos transportados ao aeroporto pela avenida das tílias em flor. Encontrámos
uma fila longa no controle de bagagem do check-in: uma hora em pé, arrastando
vagarosamente a mala de cabina pelo chão. À minha frente, uma senhora jovem com
uma criança de 7 anos falava em inglês com ela. A certa altura dirigiu-se-me
numa língua que não entendi: uns segundos de confusão mental para mim. Pois se
ainda há pouco a tinha ouvido falar inglês!... Disse-lhe que não a compreendia.
Pediu-me então em inglês se lhe guardava o lugar, que precisava de ir com a
filha à casa de banho. Quando voltaram, a menina abraçou-me a cintura e disse-me:
"Thank you". Com um sorriso de criança. E continuou a comer a
"junk food", como a mãe se lhe referiu com um sorriso de impotência
de adulto. Não tinha querido almoçar e agora comia uma espécie de pipocas que
se espalharam depois no chão. A senhora era polaca, vivia em Nova Iorque e
voltara a Varsóvia ao fim de 20 anos. Para ver a família. Desencontrara-se com
uma prima que vivia em Londres e não sabia que ela vinha. O marido, de origem
italiana, não falava polaco, nem a pequenita. Preferia viver na América.
"I love you, mummy", disse a filha, no meio das pipocas, com a
cabecinha encostada ao corpo da mãe. "I love you too, Marcela".
Afectos expressos na demora de uma fila de espera, a urgência de o exprimir. E
que memórias levava com ela ao fim de tantos anos de ausência? E que memórias
terão ficado na família, nos pais, em mais alguém amigo? "Agora é melhor
aqui na Polónia", respondeu-me quando lhe perguntei o que tinha achado da
sua terra. "Antes havia filas para a comida. Passava-se pior". Também
por essas razões se vai e se abandona tudo. Nem que seja temporariamente.
Valem-nos a alguns as filas de espera. Para amortecer a partida: "I love
you, mummy". "I love you too, Marcela".
Depois foi o desconforto do "túnel da curiosidade" do arco de olho
invisível por cima das nossas cabeças, dos cintos tirados das calças, das
chaves retiradas dos bolsos, da apalpação de luva branca, contornando os nossos
corpos, entrando dentro das malas de mão suspeitas, objectos deitados fora,
pois que quem vê caras não vê fanatismos e tem que se precaver contra eles.
Todo este cerimonial inevitável cansa, desgasta, e atrasa aviões. Foi o que nos
aconteceu a nós. O voo de Varsóvia saiu para lá da hora prevista. Tivemos por
companhia o pôr do sol, uma tira alaranjada a nosso lado lá no alto, como se
fossemos pássaros. E o tempo apertava e Frankfurt demorava a chegar. E o nosso
voo para Lisboa? Mandámos um cartão ao piloto explicando a situação
e pedindo para sermos os primeiros a sair, mal o avião aterrasse. Mais vinte
minutos imprevistos sobrevoando o aeroporto, à espera de autorização para
aterrar. E nós olhando o relógio. Fomos os primeiros a sair. Depois foi correr
de um terminal ao outro, no lado oposto. Parecia um aeroporto de malucos: toda
a gente a correr de mala às costas, nas passadeiras, nas escadas, afogueados. Certamente
todos com o mesmo problema que nós. Valeu-nos o voo para Lisboa estar atrasado
meia hora. Chegámos cansados, mas felizes.
M