quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Duas figuras desengraçadas, coitadas

 

Foto de M

Uma fotografia sem graça nenhuma, eu sei, mas elas também são desengraçadas, coitadas. Têm direito ao descanso em sofá mole e baixo, o que não têm é estrutura física para se dobrarem e nele se aconchegarem. Ao contrário de mim que me lembro como era bom executar esse movimento articulado mas, ai!, de momento é-me proibido exemplificá-lo. Bem, de futuro também não é recomendável sentar-me ali, deverei utilizar cadeiras altas de assento rijo. Pois é, falo destas duas figuras hirtas, esqueléticas, porque têm sido o meu transporte privado nos últimos tempos. Identificadas com as iniciais do meu nome, não vá dar-se o caso de fugirem ao meu controle e eu ficar completamente apeada. Pacientes, sensíveis às dificuldades de mobilidade alheias, estão sempre presentes em lugares estratégicos, embora com direito a períodos de repouso. No entanto, da sua experiência de auxiliares de seres humanos em crise, e pelo que vão observando em mim, sabem que brevemente serão dispensadas do serviço para o qual as requisitei e voltarão a residir na arrecadação onde existem os mais diversos habitantes com histórias para contar. Adormecidas algumas no Tempo que passa e deixa rasto.

M

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Infância (*)

 

Foto de M

Há quem chame anjos às crianças, mas a mim parece-me que às vezes são uns diabretes a precisar de anjos da guarda que os protejam de aventuras arriscadas. E pelos vistos, como no caso desta fotografia que tirei ao passar numa rua de Coimbra já lá vão muitos anos, até foi necessário acrescentar uma pala extra de cariz mais terreno. À cautela, «Não vá o Diabo tecê-las», terão dito… O que me leva a pensar se tanto resguardo não cortou as asas da infância a este jovem que foi criança e o impediu de voar para lá daquela janela acanhada. Mas talvez esteja enganada. Sei lá se ele não está apenas atento a um horizonte vasto que lhe é familiar e que a minha fotografia não abarca. Porque, se repararmos bem, o anjo-criança e o jovem parecem olhar na mesma direcção com expressões curiosas semelhantes, reveladoras de que a essência comum a ambos se terá mantido ao longo da vida.

M

(*) Tema a desenvolver esta semana no desafio proposto pela Bettips no Palavra Puxa Palavra

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Privação (*)

 

Foto de M

De acordo com vários dicionários, um dos significados da palavra “privação” é “carência do que é necessário à vida”. Ora considerando eu que o amor e a amizade são essenciais nas nossas vidas, penso que encaixam seguramente nesta afirmação. Mas pergunto-me se, para algumas pessoas, o receio de os perder será tão assustador que os aprisionam num cadeado secreto em lugar de passagem. Não me parece boa ideia…

M

(Halfpenny Bridge, Dublin, 2012)

(*) Tema a desenvolver esta semana no desafio proposto pela Bettips no Palavra Puxa Palavra)