Fotos de M & S
No
meu sentir, as molduras são objectos de grande importância no tempo de vida que
me coube, cabe e caberá ainda neste mundo. Não apenas pelos retratos de família
e amigos nelas resguardados, mas também pelo que mais contêm de relevante e
quero me seja relembrado, mostrado permanentemente, associado a episódios que
desejo permaneçam vivos na minha memória. Gosto de as colocar em lugar de
destaque, enquadrando-as entre outros objectos para que, precisamente pelas
características diferentes de cada um, ou comuns entre eles, se tornem
apetecíveis ao meu olhar. Pelo menos comigo assim funciona.
A
moldura em primeiro plano na fotografia mostra um bilhete graficamente original
do espectáculo de marionetas a que assisti com o meu marido em Praga, em 1993: Rusalka,
ópera do compositor checo Antonín Dvorák. Foi inesquecível por causa de uma
série de detalhes associados ao caso. A sala que o exibia era fora do centro da
cidade, apanhámos um transporte público, creio que um eléctrico, que nos deixou
num bairro que imediatamente me lembrou os prédios do nosso chamado “bairro
azul” em Lisboa, perto do Museu Gulbenkian. Como era cedo, almoçámos num
pequeno restaurante tipo familiar no rés do chão de um dos prédios,
directamente aberto para o passeio. Mais parecia a sala de casa de um de nós,
duas ou três mesas, um balcão com acesso à cozinha, nenhum comensal, apenas os
donos em amena conversa de eventual almoço de família, entre avós, pais, filhos
e netos. (Havia uma criança no grupo a quem os mais velhos olhavam com afecto
de avós na despedida do encontro). Lá conseguimos fazermo-nos entender
mutuamente (eles só falavam checo) na escolha do que poderíamos comer e então
vem para a mesa uma carne assada igual à que cozinhamos em Portugal! O nosso espanto
não se ficou por ali. Ao chegarmos à morada onde se realizava o teatro, a dois
passos, constatámos que era num dos outros edifícios da rua, todos eles antigos,
de uma mesma época, e num dos andares! Imaginem-se a subir e chegarem a um
patamar onde a entrada para a sala de espectáculos era como se abríssemos a porta
das nossas casas! O acesso era feito diretamente para uma sala grande com um
palco ao fundo e cadeiras iguais às dos teatros fixadas ao chão. À hora
marcada, abriram-se as cortinas escuras do palco mostrando o cenário iluminado,
onde se foram desenrolando as cenas da estória com mini personagens habilmente
manejadas por mãos e fios invisíveis acompanhadas pela música de Antonín
Dvorák. Só no fim, espreitando sorridente por cima do cenário, o marionetista
invisível se deu a conhecer ao público. Tenho ainda na memória a minha surpresa
com a visão de desconformidade entre ele, ser humano de tamanho normal,
verdadeiro, e a pequena dimensão do cenário construído. Com as suas mãos
mágicas tinha-nos levado a imaginar pessoas reais nas marionetas e afinal
pareciam ter trocado de lugar.
M