segunda-feira, 24 de maio de 2010
110.
Foto de M
É afectuoso, este rolo que sustém o silvo húmido do vento. Fez do parapeito da minha janela a sua casa, quase uma praia com flores em dunas macias sempre que o sol descansa nele, tórrido e enxuto. Ali permanece dia e noite, no silêncio de si mesmo, paciente, atento aos passos que dou e não dou, aos gestos ora indolentes ora vigorosos que me escapam dos braços, ao meu olhar por adivinhar absorvido nele. E o meu corpo nesse vaivém de tarefas que se insinuam no tempo e que com ele fogem, apenas uma ou outra pegada resistente ao anonimato desenhada no chão da memória.
M
domingo, 23 de maio de 2010
109.
Foto de M
Não faço ideia se foi gesto que me sobrou do entusiasmo com que ontem fotografei os bicharocos no Jardim Bordallo Pinheiro. O que sei é que hoje ao pequeno-almoço dei mais uma vez de caras com esta abelha atrevida que invariavelmente me provoca e zás, guardei-lhe o riso na máquina fotográfica. Para memória futura e resguardo meu, não venha a ser-me pedida explicação por algum eventual acto desesperado da minha parte, como seja, por exemplo, afogá-la de vez dentro do café com leite da manhã, que a paciência tem limites.
Há anos que se mantém ali com aquele riso abelhudo, a deitar-me a língua de fora sem razão aparente. A mim que tantas vezes me apetece deitar a língua de fora ao dia que nasce e não o faço por uma questão de educação! Ou se calhar até por consideração por ele. Deve ter fôlego de peixe! E forte resistência às ondas do micro-ondas, presumo. Esconde-se por minutos, sem um bzzz ou bater de asas, imaginem, e, depois de eu ter engolido o líquido morno, reaparece feliz, como se nada se tivesse passado. Apenas um pouco lambuzada, mas nem isso lhe perturba a boa disposição.
Bem sei que fazê-la submergir para sempre me traria amargos de boca. Deixaria de poder esvaziar a caneca (tem aquela medida certa que me satisfaz o paladar), hábito matinal que gosto de entremear com o pão torrado barrado de manteiga e mel. E o azedume do leite abandonado ali horas a fio, que nem o açúcar que lhe deito dentro o aliviaria de tamanho desconforto?
O melhor é manter-me à altura do desafio do insecto. Ou talvez a caneca um dia se faça em cacos, a abelha se liberte dos destroços e voe levando consigo a flor para um jardim do seu agrado.
M
(Projecto interessante no Jardim Bordallo Pinheiro, no Museu da Cidade, em Lisboa.)
quarta-feira, 19 de maio de 2010
Subscrever:
Mensagens (Atom)