domingo, 23 de maio de 2010

109.


Foto de M

Não faço ideia se foi gesto que me sobrou do entusiasmo com que ontem fotografei os bicharocos no Jardim Bordallo Pinheiro. O que sei é que hoje ao pequeno-almoço dei mais uma vez de caras com esta abelha atrevida que invariavelmente me provoca e zás, guardei-lhe o riso na máquina fotográfica. Para memória futura e resguardo meu, não venha a ser-me pedida explicação por algum eventual acto desesperado da minha parte, como seja, por exemplo, afogá-la de vez dentro do café com leite da manhã, que a paciência tem limites.
Há anos que se mantém ali com aquele riso abelhudo, a deitar-me a língua de fora sem razão aparente. A mim que tantas vezes me apetece deitar a língua de fora ao dia que nasce e não o faço por uma questão de educação! Ou se calhar até por consideração por ele. Deve ter fôlego de peixe! E forte resistência às ondas do micro-ondas, presumo. Esconde-se por minutos, sem um bzzz ou bater de asas, imaginem, e, depois de eu ter engolido o líquido morno, reaparece feliz, como se nada se tivesse passado. Apenas um pouco lambuzada, mas nem isso lhe perturba a boa disposição.
Bem sei que fazê-la submergir para sempre me traria amargos de boca. Deixaria de poder esvaziar a caneca (tem aquela medida certa que me satisfaz o paladar), hábito matinal que gosto de entremear com o pão torrado barrado de manteiga e mel. E o azedume do leite abandonado ali horas a fio, que nem o açúcar que lhe deito dentro o aliviaria de tamanho desconforto?
O melhor é manter-me à altura do desafio do insecto. Ou talvez a caneca um dia se faça em cacos, a abelha se liberte dos destroços e voe levando consigo a flor para um jardim do seu agrado.
M

(Projecto interessante no Jardim Bordallo Pinheiro, no Museu da Cidade, em Lisboa.)

5 comentários:

Mónica disse...

ahahah abelhinha em caneca de M. que vida deliciosa hemmmm!!!

Mónica disse...

o texto está de M. mesmo bonito

Licínia Quitério disse...

Um texto desafiador do atrevimento do insecto. Aquele sorriso e aquela língua de fora estavam mesmo a pedir a tua declaração de acções e intenções.
Uma história para ser contada a miúdos e graúdos enquanto um fio de mel escorre, disfarçadamente, da torrada por instantes esquecida.

Domingo doce para ti, M.

Justine disse...

Delicioso texto, imaginação solta, história de encantar.
Parabéns, M. adorei:)))

Teresa David disse...

Um toque de conto infantil para adulto de todas as idades ler. A abelha atrevida e a indecisão da dona em mantê-la como companheira matinal de mais um acordar. Gostei muito.
Beijos
TD