quarta-feira, 18 de abril de 2012

Porque a Bettips gosta muito de oliveiras, um presentinho que lhe ofereço, retirado do meu baú das memórias


As contorcionistas
(Foto de S.
)

No Jardim

O Passarito poisou em cima da oliveira com uma ideia muito maluca dentro da cabeça: queria ter asas azuis da cor do céu!
– Mas tu tens umas asas tão bonitas, meu pequerrucho! – disse-lhe a mãe, empoleirada a seu lado. – Que ideia a tua de quereres ter asas de outra cor!
– Mas eu quero – respondeu o Passarito. E começou a fazer uma birra, abanando muito a cabeça de um lado para o outro, e abrindo e fechando o bico, como se quisesse gritar. ­– O céu não está longe, podemos muito bem ir lá buscar azul para eu me pintar.
– Está muito longe – disse a mãe, ao mesmo tempo que metia com suavidade o bico entre as penas acinzentadas do filho. Era a maneira de ela lhe fazer festas. – As tuas penas são lindas!
– Mas eu agora quero ser azul! Tu não percebes nada! Não estás mesmo a ver?...
– A ver o quê?! – A mãe olhou para ele admirada.
– Eu quero enfeitar esta árvore. Já viste como ela é? É cinzenta, mamã... Com estas minhas asas ficamos iguais, da mesma cor não tem graça nenhuma! É preciso explicar-te tudo!...
– Ah, então foi por isso que acordaste com essa ideia maluca! – respondeu a mãe. – Mas... achas que o azul é a melhor cor para enfeitares a oliveira? Anda cá, vamos voar até àquele raminho mais abaixo e tu olhas com atenção para cima...
– Para quê? Já disse que gosto de azul, e só do azul do céu! – E, como estava muito zangado, bateu as asas com tanta força que se desequilibrou e foi pelo ar a voar aos trambolhões. Estatelou-se no passeio, escorregou, mas depois lá se endireitou. E olhava para todos os lados, um bocadito envergonhado.
– Que grande voo! Até parecia que estavas a ser empurrado por alguma tempestade! – A mãe poisava agora no chão, a seu lado.
Entretanto, os pombos que por ali andavam em busca de grãozinhos de milho miravam e remiravam o Passarito, muito espantados, sem perceberem como é que ele, sendo tão pequenino, era tão refilão e fazia tanto barulho. Só o ouviam piar, piar... E eles que gostam de comer sossegados! Passam a vida de um lado para o outro, com aquelas asas compridas que me lembram o fraque que o pai da minha amiga Beatriz veste para ir a casamentos.
– Então, já passou a birra? Apanhaste um susto com esse trambolhão, não foi? – A mãe chegou-se mais para junto dele e disse-lhe baixinho: – Olha para o céu. Estás a ver o que acontecia se as tuas asas fossem azuis? Repara bem!
O Passarito levantou a cabeça, um bocado contrariado, claro, e espreitou lá para cima.
– Não achas que quem olhasse cá de baixo via tudo azul? - perguntou a mãe. - Ninguém reparava em ti... Vamos pensar numa outra cor... Que tal um amarelo?
– Amarelo?! – Ele não estava lá muito convencido com a ideia da mãe.
– Sim, o amarelo daquelas folhas caídas sobre a relva ali ao fundo... É tão bonito! – sugeriu ela.
– Oh, esse já não está amarelo, está quase castanho...
– Achas? Pois eu acho-o lindo. Até tenho encontrado aqui um homem a apanhar folhas iguais a estas e a guardá-las dentro de um carrinho de rodas. E é muito engraçada a vassoura com que ele varre a rua...
O Passarito olhava para a mãe, olhava para as folhas, olhava para o céu, voltava a olhar para a mãe... Parecia indeciso, mas como era um bocadinho teimoso...
– Então e como é que eu faço? – perguntou por fim, baixinho, porque não queria que os pombos o ouvissem. Depois daquela birra de há pouco era uma vergonha. – As folhas estão secas e partem-se se eu lhes tocar...
– Vamos fazer assim: continuas com as tuas asas, que são lindas...
– Mas tu disseste...
– Espera, tem calma! Ficas na mesma com as tuas asas acinzentadas e eu escolho uma folha das mais bonitas, grande, e seguro-a na tua cabeça, como se fosse uma coroa. Achas bem?
– Mas... como é que se segura? – O Passarito começava a pensar que a ideia da mãe talvez não fosse de desprezar.
– Vamos procurar um fiozinho, daqueles que às vezes andam por aí... Nunca reparaste que algumas pessoas atiram coisas para o chão? Olha, ainda ontem vi uma senhora deixar cair um cordel no passeio. Quando abriu o saco do milho para os pombos e meteu a mão dentro... ele escorregou. E era encarnado! Ficava mesmo bem a segurar a coroa... Que te parece?
O Passarito abriu muito os olhos e, sempre aos saltinhos, procurou, procurou, até que encontrou o que queria.
– Encontrei um! – Ele estava agora muito contente.
– E eu descobri esta folha linda, olha! Vais parecer um príncipe! – E a mãe, pegando cuidadosamente na folha com o bico, prendeu-a com o fiozinho encarnado à cabeça do filho.
– Estou bonito? – perguntou o Passarito.
– Estás lindo! – disse a mãe, toda vaidosa.
– Então e agora? – Ele não parava de fazer perguntas.
– Agora já podes voar até ao cimo da árvore. Com cuidado… – E ficou a admirá-lo, enquanto ele subia até ao ramo mais alto da oliveira, devagarinho para não estragar a coroa.

M

(31 de maio de 2005)

2 comentários:

bettips disse...

Nesse dia fiz anos, também passarito de coroa, talvez até contente como ele, de tantas palavras amigas, postais, flores.
Horizonte outro.

Esta reflexão haveria de ser uma história de meninos, meninos com a coroa de glória das infâncias.
É uma delicadeza.
(esse baú...)
Bjinho

Justine disse...

O que as mães têm de inventar para acalmar os filhos com birras:-)))))