Foto de M
Não
te espantes com o que ainda vais encontrando nalgumas zonas rurais de
Portugal, em contraste com as tecnologias do mundo actual.
Ao
olhar para a senhora da minha fotografia, penso de imediato nas
máquinas de lavar roupa cheias de automatismos e na facilidade que é
meter-lhes dentro a roupa e esperar apenas que ela cumpra a tarefa
até ao fim, de acordo com o programa escolhido. Embora no dia em que
ali passei não me tenha parecido que esta senhora estivesse
contrariada com o trabalho que executava, nem faço ideia se se
trataria de uma escolha esporádica, na verdade todos sabemos ser
muito mais penoso lavar roupa manualmente. Exige ensaboar cada peça
em separado, enxaguá-la uma e outra vez, torcê-la com a força de
braços e mãos, senti-las geladas, os dedos doridos, e depois
carregar o fardo no alguidar, porventura à cabeça, ou amparado nos
braços. Vermelho o alguidar, a lembrar o coração que se transporta
sempre connosco, breve o repouso, longas as horas marcadas nas
rotinas diárias. Reconheço tudo isso, mas encanta-me a arquitectura
destes tanques amplos, testemunhas de ocupações e convívios
antigos. Não há muitos anos era lugar de risos, de mágoas ora
confessadas ora adivinhadas, de boatos, de segredos, de histórias de
fugas pela calada da noite, a fronteira com Espanha tão perto, à
distância de um salto arriscado. Permanecerá lugar de encontros,
embora esvaziada de gente a aldeia, adormecidas as casas aguardando
os emigrantes do verão?
Atravessei
a pé Soutelinho da Raia em agosto de 2010 a caminho de Santiago de
Compostela, abordei a senhora lavadeira com o propósito de lhe pedir
autorização para a incluir na fotografia que eu desejava tirar, e
ela aceitou, sorridente. Quase cinco anos passados, pergunto-me como
se chamará, se ainda vive, onde mora. Sozinha? Acompanhada? Terá
nascido na aldeia? E imagino-a criança, ajudando a mãe, talvez
debruçada na janela à espera do pai, talvez a brincar com outros
meninos ao jogo da macaca desenhado com um graveto qualquer no chão
de terra batida. Talvez... Talvez...
Sem
respostas às minhas interrogações, apenas sei que o tempo escorre
nas diversas paisagens da existência.
M
3 comentários:
Ora uma coisa - ora outra "hora"... encontraremos sempre especial encanto nessa tão bela viagem! Muito lindo o que pensaste das gentes desse lugar, desde a infância dos tempos. Que conquistadores ali passaram? que democracia, enfim, ignora o sacrifício deste povo amável?
Bj da bettips
Coisas vividas, guardadas, transformadas em ti - e depois transmitidas com sensibilidade e sabedoria! Obrigada, M.
"Povo que lavas no rio..."
sensível e lúcida - sempre!
beijo
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