Foto de M
Andei
por aqui e por ali até que ela decidisse qual o melhor recanto onde
me colocar para ficarmos no ângulo de visão uma da outra. O aqui e
o ali fazem parte da sala de estar, e eu também, desde o dia em que
passei a morar neste espaço, tal como sou, com os pés assentes no
bloco de pedra-terra e a lua como companhia. Gosto da minha nova casa
mas preciso da terra e da lua para continuar viva e aguentar as
saudades da Polónia. Trouxeram-me de Varsóvia, ela e ele, há
catorze anos. Entraram na galeria onde eu estava e encantaram-se
comigo. Ouvi a conversa entre eles e quem os atendeu. Quiseram saber
o nome da artista que me tinha criado, a idade, a nacionalidade, a
que outros trabalhos artísticos se dedicava. Percebi que costumavam
levar para casa algo genuíno dos países por onde passavam. Quando
lhe oferecem flores ela pousa-as nesta mesa e então, nesses momentos
imagino-me a passear pelos jardins de Varsóvia (se calhar também
ela...). Seguro sempre a minha mala na mão, como se não a largar
fosse sinal de desejar partir. Ela não se importa, compreende-me,
sabe que transportamos connosco os vários tempos das nossas
existências. Partilhamos horas caladas e recordamos em silêncio, e
de uma maneira muito forte, a bela Varsóvia. De tal maneira forte
que por vezes tenho de abrir a mala e tirar de lá o pacote dos
lenços para acariciar a emoção. Ela olha para mim e faz o mesmo
gesto. Cá
em casa existem pacotes de lenços de papel por tudo quanto é sítio,
dizem os netos a brincar, até lhe chamam carinhosamente Avó
dos lenços.
Já os tenho visto por aí a tentar suster o pingo do nariz com
aquele ruído húmido que todos nós conhecemos, tão irritante ele é
para qualquer pessoa. Então ela dá-lhes um lenço para resolver o
problema de forma eficaz e eles lá aceitam a evidência de que não
vale a pena perder tempo a fungar ou insistir em secar constipações
ou choros com a manga da camisola. Achamos-lhes graça e recordamos a
infância, ela em Portugal, eu na Polónia. Talvez tudo seja apenas o
aqui e o ali de
cada um.
M
A
autora da pequena estatueta chama-se Joanna Zakrzewska.
2 comentários:
ó que maravilha
Lugares imensos, estátuas que falam, lenços que passam nos olhos.
Crianças frágeis, mulheres resolutas.
Conheço-a, a varsoviana, de outros encontros: é esbelta e tem o mundo delas na mão, sob a lua da ternura. Parte e volta, como as memórias.
Abç
B
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