domingo, 10 de novembro de 2019

259.


Foto de M 

Andei por aqui e por ali até que ela decidisse qual o melhor recanto onde me colocar para ficarmos no ângulo de visão uma da outra. O aqui e o ali fazem parte da sala de estar, e eu também, desde o dia em que passei a morar neste espaço, tal como sou, com os pés assentes no bloco de pedra-terra e a lua como companhia. Gosto da minha nova casa mas preciso da terra e da lua para continuar viva e aguentar as saudades da Polónia. Trouxeram-me de Varsóvia, ela e ele, há catorze anos. Entraram na galeria onde eu estava e encantaram-se comigo. Ouvi a conversa entre eles e quem os atendeu. Quiseram saber o nome da artista que me tinha criado, a idade, a nacionalidade, a que outros trabalhos artísticos se dedicava. Percebi que costumavam levar para casa algo genuíno dos países por onde passavam. Quando lhe oferecem flores ela pousa-as nesta mesa e então, nesses momentos imagino-me a passear pelos jardins de Varsóvia (se calhar também ela...). Seguro sempre a minha mala na mão, como se não a largar fosse sinal de desejar partir. Ela não se importa, compreende-me, sabe que transportamos connosco os vários tempos das nossas existências. Partilhamos horas caladas e recordamos em silêncio, e de uma maneira muito forte, a bela Varsóvia. De tal maneira forte que por vezes tenho de abrir a mala e tirar de lá o pacote dos lenços para acariciar a emoção. Ela olha para mim e faz o mesmo gesto. Cá em casa existem pacotes de lenços de papel por tudo quanto é sítio, dizem os netos a brincar, até lhe chamam carinhosamente Avó dos lenços. Já os tenho visto por aí a tentar suster o pingo do nariz com aquele ruído húmido que todos nós conhecemos, tão irritante ele é para qualquer pessoa. Então ela dá-lhes um lenço para resolver o problema de forma eficaz e eles lá aceitam a evidência de que não vale a pena perder tempo a fungar ou insistir em secar constipações ou choros com a manga da camisola. Achamos-lhes graça e recordamos a infância, ela em Portugal, eu na Polónia. Talvez tudo seja apenas o aqui e o ali de cada um.
M
A autora da pequena estatueta chama-se Joanna Zakrzewska.

2 comentários:

Mónica disse...

ó que maravilha

bettips disse...

Lugares imensos, estátuas que falam, lenços que passam nos olhos.
Crianças frágeis, mulheres resolutas.
Conheço-a, a varsoviana, de outros encontros: é esbelta e tem o mundo delas na mão, sob a lua da ternura. Parte e volta, como as memórias.
Abç
B