quinta-feira, 4 de junho de 2020

263.


Foto de M

Gosto de livros deitados sobre mesas. À beira de sofás e cadeiras na sala de estar, revelam intimidade, atraem olhares curiosos, proporcionam conversas agradáveis. E eles ali, os livros, a participarem também nos convívios, calados ou não, depende da oportunidade, da página que se abriu ao gesto. Gosto de os olhar demoradamente, procurar o que têm para me oferecer, descobri-los, entrar dentro da sua paisagem interior, aconchegá-la junto da minha com perspectivas e cores diferentes em encontros de tempos que me marcam enquanto passam. 
No caso deste livro, lembro-me bem do dia em que o comprei e fotografei mal cheguei a casa. Pousei-o na mesa, sentei-me no chão perto dele com a máquina fotográfica nas mãos, desejava-o em lugar especial, ao nível dos meus olhos, ao alcance dos meus dedos a deslizarem sobre árvores solitárias no calor dos amarelos. Queria passear nas aldeias resguardadas entre verdes, naquela outra página assistir à luz a despontar no horizonte, esperar na praia pelo regresso do barco de pesca... Tantos são os temas que Silva Porto pintou a seu modo. Fechado ou aberto, queria este livro presente na minha vida desde o dia em que visitei a Casa Museu Dr. Anastácio Gonçalves e me apaixonei pela colecção de pintura e objectos de arte deste médico oftalmologista sensível à beleza do mundo.
M

(Silva Porto 1850-1893, Exposição comemorativa do centenário da sua morte, Museu Nacional de Soares dos Reis, 1993, Instituto Português de Museus)

2 comentários:

Justine disse...

Que texto belo, M.! Também eu gosto muito dos trabalhos de Silva Porto, identifico-me por isso com a tua paisagem!

Anónimo disse...

Gostei muito deste improvisamento versus confinament,nunca mental! A paisagem de amarelos quase me enganava com o Van Gogh ao longe da memória.
Ficou uma bela fotografia para o tema, nesta tua habilidade "caseirinha" pelo que vemos de recantos tão belos quão inesperados.
bj
B