quinta-feira, 25 de junho de 2020

DO QUE GOSTO 12


Foto de S. (Ora abóbora!)
  
Esperteza Saloia

Saiu de casa ao romper da manhã, para que ninguém o visse. Antes que alguém as roubasse, era urgente levar para casa as bolas amarelas que cobriam o chão da horta. Nem tinha dormido, a matutar no negócio: partidas em quartos e bem guardadas no congelador… Mais uma despesa com que não contava, mas se no velho frigorífico não havia espaço…
Uma a uma, poisou-as em cima da mesa da cozinha e começou a parti-las.
– Ó homem, que estás tu a fazer? – perguntou ela.
Ele contou-lhe em surdina os sonhos da noite passada em claro, com o sorriso do futuro espalhado no rosto. Ela ouviu-o atentamente, o espanto saltando-lhe de dentro dos olhos.
– Encontraste o sol no nosso quintal?! Partido em bocados?! Queres congelar nacos de sol para quando ele desaparecer de vez do mundo?! Estás doido, homem! Isto é uma abóbora, não vês que tem pevides? E que rica sopa de legumes faço com ela!
- Ora abóbora! – resmungou ele. – Pensando melhor, antes assim. Sem sol, como é que eu tinha hortaliça na horta?
M

(2005)

2 comentários:

Justine disse...

E a ironia latente, ou mesmo patente, neste caso sinónimo de uma enorme cumplicidade entre o fotógrafo e a escritora. Completam-se!
Tão bonito!

Anónimo disse...

Diálogo perfeito!
E um quintal, mulher prática e homem a coçar a cabeça, estou a vê-los e ouvi-los.
B