Foto de S. (Homenagem a Carlos Paredes)
Sonoridades
Entrelaçadas
Quando
manifestei ao Sérgio as dificuldades que estava a sentir para
conseguir escrever um texto que acompanhasse a sua fotografia com o
título Homenagem a Carlos Paredes,
ele respondeu-me com um ditado inglês: Honesty
is the best policy.
Em tradução à minha moda, para quem não conheça a língua, o
sentido prático e o pensamento atento dos súbditos de Sua
Majestade, direi: A melhor política é
ser-se honesto.
É
verdade, o melhor é confessar-me... Andava há dias a olhar para
esta fotografia, incapaz de escrever uma única letra, e com um
incómodo permanente atrás de mim. E sabia porquê: faltava-me
conhecer para poder sentir. Nunca assisti a nenhum espectáculo ao
vivo de Carlos Paredes e, quando o via na televisão, estava
distraída. Não tão distraída, contudo, que não me lembre da sua
figura discreta, e de certo modo imbuída de mistério, que, apesar
da minha desatenção, me prendia o olhar, ainda que por alguns
instantes apenas. Mas a vida tem destas coisas: passamos às vezes
pelas pessoas e pelas realidades sem lhes prestarmos a atenção
merecida. Atravessamos momentos como se eles não tivessem corpo,
como se fossem invisíveis, e nós também, ao ponto de nem sequer
nos vermos a nós próprios. Não conheço a razão de tamanha
lacuna, deve haver tantas!
Mas,
pensei eu, se gosto desta fotografia, se sei que o Sérgio gosta
muito dela, se acho que a imagem e o título se completam, e eu não
sou capaz de lhe dedicar uma palavra, tenho que remediar este
percalço. Foi então que um amigo me emprestou um livro sobre Carlos
Paredes e uma mão cheia de CDs para eu ouvir. Passei o fim-de-semana
a escutá-lo atentamente e a sentir o que até hoje deixei escapar.
Mas afinal que importa a distância do tempo, se formos capazes de
viver um passado que é ao mesmo tempo presente?
Entro
dentro da sala onde a luz de um holofote incide redonda em cima de um
homem, figura única sobressaindo na escuridão do palco, rente ao
silêncio dos espectadores. Debruçado sobre uma guitarra portuguesa,
tem ele ali uma conversa entre mãos, sonoridades entrelaçadas que
tocam os nossos corpos e nos deixam presos às cadeiras. Não ouso
falar, as minhas palavras seriam intromissões num momento de tanta
beleza.
M
(2005)
3 comentários:
Cordas unidas e sem fim. Pauta de sons e tons até ao infinito que pressentimos.
1963 "Verdes Anos", aí me ficou o som de choro e interrogações dessa época.
Tão bonito descobrir e dar-lhe sentido!
B
Manuela, não vou repetir-me em comentários semelhantes para todos estes posts fascinantes, mas o que penso é sempre: que fotografia exemplar! que texto adequado e tão bem escrito! que par de qualidade imbatível!
Pronto, é isso que sinto, e entendo a tua nostalgia...
tive a sorte de o ver ao vivo em Vila Real, já ele estava muito alheado, mas foi muito bom.
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