Foto de S. (O Mundo a seus pés)
Poças
de Água
Quando
se é criança, julgo que uma poça de água na maré vazia contém
dentro o nosso mundo. Um pedaço de mar à medida do nosso tamanho de
então, onde enfiamos os pés, onde nos sentamos, onde mergulhamos o
corpo inteiro, onde saboreamos o encanto salgado de um momento.
Em
tempos que já lá vão, andaria eu por volta dos sete anos, tive um
boneco de celulóide, pequeno, pouco maior do que a minha mão de
adulta. Lembro-me que no dia em que me foi oferecido estava doente e
aborrecida, condição habitual sempre que a febre nos visita e nos
agarra à cama sem nos pedir licença. No caso de uma criança, será
talvez ainda pior, porque a imobiliza debaixo de cobertores, deixando
a descoberto apenas a rabugice, as faltas de apetite e as dietas, e
sem que ela compreenda a razão de tamanho castigo.
As
mulheres da minha família andavam por perto do meu mal-estar,
espreitando-o no meio dos seus afazeres e espalhando instantes de
ternura dentro do meu quarto. Revezavam-se: ora se chegava a avó
Júlia com um sorriso silencioso e uma carícia poisada ao de leve na
minha testa febril, ora se sentava a tia Chanel em cima da minha cama
com as brincadeiras que sempre lhe conheci. A minha mãe teria saído,
qualquer compra imprescindível a fazer nas imediações a teria
afastado de casa, suponho que me terão dito. Não demoraria. Quando
voltou, trazia-me de presente um boneco de celulóide, sem roupa, mas
lembro-me que me afeiçoei a ele de imediato. Mais tarde tricotou-lhe
um fato de banho em lã, minúsculo. Era azul claro, com um peitilho
e alças finíssimas que apertavam atrás com dois botões brancos
pequeninos, pequeninos. Um desejo expresso para que o meu bebé
pudesse ir comigo para a praia e tomar banho nas poças de água que
o mar deixava para mim na areia.
Ah,
como foi bom ter aquele mundo aos meus pés!
M
(2006)
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