Foto de S. (Desencontros)
Um
Banco de Jardim
Esta
coisa de um banco passar horas num jardim dá-lhe, julgo eu,
carácter, pensamentos e sentir de gente. Pelo convívio com as
pessoas, suponho. Vem um e senta-se, vem outro e mete conversa com o
primeiro, depois chega outro e conta a sua vida, um quarto adormece
as suas horas vazias… Enfim, uma socialização ao ar livre: Dá-me
licença que me sente?
Faça
favor…,
responde o sorriso de alguém. Parece-me
que a conheço…,
alvitra
o dono do cãozito que ladra com voz esganiçada. Está
calado, Farrusco!
A necessidade de palavras ditas e ouvidas vai-se desobstruindo: É
natural, vivo neste bairro há muitos anos. A sua cara também não
me é estranha…
E o que à partida poderia parecer tratar-se apenas de um banco,
passa a ser considerado um colo. Leva o seu tempo, claro, humanizar a
madeira rija de um banco, mas o contacto com os corpos que nele se
sentam vai pouco a pouco amaciando as ripas da sua estrutura.
A princípio, ainda no armazém, entre os seus inúmeros companheiros a
sofrerem acabamentos e retoques e o cheiro incomodativo de tintas e
vernizes, interrogara-se para que lugar o levariam. Tinha ouvido
alguém falar de uma rua com passeios largos onde havia a intenção
de colocar bancos, para que as pessoas neles pudessem descansar o seu
afogadilho, e os muito velhos, à falta de melhor distracção, se
sentassem a caturrar e a ver correr os apressados. Ficou apreensivo a
pensar no que lhe cairia em sorte, pois que preferia outras vistas às
de uma rua buliçosa, cheia de ruído e de pressas. Sempre se tinha
imaginado a um canto de um jardim pacato, com árvores frondosas e
flores delicadas, chilreada de pássaros e fragrâncias frescas no
ar. Acalmou um pouco quando mais tarde, ainda que apertado entre
vários bancos dentro da camioneta da Câmara Municipal, percebeu,
pela conversa dos empregados, que o iam levar para um jardim. Aliás,
aquele corvo preto pousado sobre o verde da porta da camioneta, e que
num relance lhe parecera verdadeiro, tinha-lhe dado a esperança de
que o seu destino
fosse
mesmo esse.
Se
também trazem um pássaro,
pensou,
é bom sinal… Espero que seja para o soltarem num jardim…
Mas depressa se apercebeu de que o corvo não passava de um desenho e
que por essa razão se mantivera imóvel durante o longo percurso
pelas ruas íngremes da cidade.
Finalmente tinham
acabado as curvas e contracurvas, as subidas e descidas, o trânsito
lento por ruelas apertadas, os infernais solavancos sobre o empedrado
de basalto, as travagens súbitas e os impropérios lançados janela
fora pelo motorista! Agora o banco estava num lugar que lhe agradava.
Sentia-se bem naquele canto, o céu espreitando-o lá do alto por
entre as árvores debruçadas sobre o pequeno lago a seus pés, a
fina renda de ferro forjado verde debruando a sua casa desprovida de
paredes.
Mal
teve tempo de dormitar na meia-luz da tarde. Ouviu passos esmagando
ao de leve os grãos de milho espalhados sobre as pedras brancas do
chão, pezinhos de criança correndo para ele, trepando por ele
acima, regozijando-se com a descoberta. Avó,
este banco não estava aqui ontem! Senta-te ao pé de mim.
Recostou-se,
acariciou-o com as suas mãos de menina, sentou nele a sua boneca. E
ali permaneceu, apenas durante o tempo que as crianças são capazes
de guardar, um tempo curto que salta de banco em banco e de colo em
colo.
M
(2005)
1 comentário:
que beleza! és eximia a humanizar objectos, alguém disse isto no PPP a propósito do pêndulo e do candeeiro, e tem toda a razão.
Enviar um comentário