Foto de S. (Volto já)
Um
Quiosque na Praia
Um
chapéu amarelo tapando-lhe o cocuruto, a condizer com o resto da
toilette
e com o lugar ao sol porque, mesmo tratando-se de um quiosque, convém
cobrir a cabeça. Por causa do calor outonal encoberto, resquícios
do Verão, dos dias em que o sol escaldava os corpos despidos.
Um certo ar oriental,
também, naquela aba revirada para cima, à semelhança das
bailarinas tailandesas, braços e dedos esguios graciosamente
levantados dançando ao som de músicas longínquas para lá da linha
do horizonte. Ou minarete de mesquita, não se dê o caso de algum
veraneante precisar de ser discretamente lembrado das suas obrigações
espirituais, que em indumentárias balneares se esquecem por vezes as
religiões e os seus preceitos.
Ali
em cima está escrito: Volto
já.
Não sei se volta, quem quer que tenha deixado o aviso. Falsas
promessas, possivelmente. O Verão fechou as portas e com ele levou a
rapariga que aqui trabalhou durante as férias. Talvez de costas para
o mar, ou talvez não. Quem sabe abria todas as janelas em redor
desta casa emprestada e poisava o seu olhar no azul imenso. Para lá
das revistas e dos jornais que pendurava do lado de fora do quiosque,
em exposição. Longe das bóias e das braçadeiras balançando
leves; indiferente aos pentes e aos ganchos de cabelo coloridos;
alheia aos baldes com pás e formas dentro, figuras plastificadas de
caranguejos, patos, estrelas-do-mar, peixes, conchas, barcos… Tudo
ali dependurado: tentação de criança, berros de criança, sorrisos
e tristezas de meninos, sonhos de meninos, birras também. Ralhos de
adulto, equívocos de adulto, benevolências de adulto, recordações
em fato de banho, baldes vermelhos repletos de infâncias antigas à
espera da água colhida no mar. Castelos, bolos e sabores de areia de
outros tempos dissolvidos num ápice; novos castelos e novos sabores
agora, outros bolos moldados pelas mãos dos filhos e dos netos, e
dos sobrinhos. Buracos cavados na areia molhada pela fantasia de
outros filhos, de outros netos, de outros sobrinhos, os dos amigos no
toldo ao lado. Que importam as mãos, que importam os baldes?
Repetem-se os gestos, ainda que a areia escorregue entre os dedos.
Espero que não volte
tão cedo, quem quer que tenha deixado o aviso lá em cima. Gosto do
quiosque no Outono da praia, despido das cores estivais, recolhido em
meditação neste vazio de gente.
M
(2005)
1 comentário:
A beleza de um texto sobre emoções de alguém, de muitos "alguéns", até de objectos...
(quiosque que eu nunca vi aberto, mas que não me canso de fotografar)
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