Foto de S. (Fim de tarde em Saturno)
A
Caixa de Bombons
Tinham
combinado encontrar-se pelas oito horas da noite e ele ainda na loja,
com as calças e o blusão de todos os dias, o cabelo grisalho mal
penteado, a barba descuidada. Tirava uma caixa da prateleira, voltava
a colocá-la no mesmo sítio, pegava noutra, retirava vagarosamente
os óculos do bolso da camisa, ajustava-os bem ao nariz, espreitava
por cima dos aros em busca de ajuda de quem estivesse por perto. “Não
sei qual hei-de levar. É difícil escolher. O que lhe parece esta,
minha senhora?”, perguntava, ao mesmo tempo que procurava o prazo
de validade na embalagem, o preço, o peso do conteúdo… Tudo
quanto fosse letra, pequena, grande, em português, em chinês, em
todas as línguas, era esmiuçado até à exaustão. “O senhor já
se decidiu? Os chocolates dessa caixa que tem na mão são de muito
boa qualidade…”, aconselhou o empregado, um meio sorriso
esboçado, o olhar vagueando pelos rostos dos outros clientes. Para
ele era um jogo de adivinhas saltitar de uns para os outros, tentando
descobrir nas expressões de cada freguês os seus desejos ou
indecisões.
– Estou
na dúvida entre esta caixa de bombons e aquela… Gostava de dar um
presente bonito…
– Depende
da pessoa para quem é… – respondeu o empregado, solícito.
– É
para uma senhora que não vejo há muito. Vou jantar com ela hoje à
noite. Reviver bons momentos do passado…
– Então
porque não lhe oferece a caixa com a paisagem? É bonita para um
jantar romântico…
-
Tem razão. Até lembra o dia em que a conheci… – confidenciou o
cliente com um sorriso a escapar-se-lhe da memória. – Faça então
o favor de a embrulhar. O meu mal foi ter sido sempre tão indeciso…
M
(2004)
1 comentário:
Da indecisão, decidir-se por uma imagem de planeta longínquo: assim se sonha. Assim se poetiza
não só com as palavras mas com o olhar.
Esta fotografia é absolutamente bela!
B
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