quinta-feira, 4 de março de 2021

REFLEXÕES SOBRE JOANA VASCONCELOS

Foto de M

Cor, alegria, ironia, crítica, originalidade, criatividade nos temas e aplicação dos materiais usados, tudo isto sinto em grande parte das obras de Joana Vasconcelos. Levam-me a reflectir sobre a sociedade em geral e o mundo feminino em particular, as suas ocupações, limitações, desejos de libertação e mudança, fantasias, enganos, que novas prisões tomaram lugar na voragem das vidas. Que desperdícios versus benefícios? Que consumismos devoram as fomes do nosso século? Gosto dos nomes das peças, significativos, poéticos também. Como Coração Independente, construído com talheres de plástico, apresentado em três versões, três cores fortes que interpreto como estados de alma oscilando entre desespero, paixão e amor, correndo-se o risco de tudo ser descartável, até o amor. Marilyn é outra “personagem”, sedutora no alto das suas sandálias gigantescas feitas de panelas, o salto a lembrar-me os pacotes de panelas empilhadas por tamanhos ganhas em rifas de feiras. Encantamentos domésticos do momento, ou talvez não, Cada um sonha como vive, diz o provérbio. A Marilyn associo o meu livro Cinderela com imagens de Walt Disney e o sapato perdido pelo sumiço da magia do baile real, reencontrado depois pelo príncipe sonhador o pé que à improvável dona pertencia. Talvez a felicidade tenha horas marcadas. Marilyn e Cinderela. A mulher dividida entre o quotidiano baço, porventura injusto e desajustado, e o deslumbramento.

São-me familiares alguns dos materiais usados por Joana Vasconcelos. Na minha casa de infância tricotavam-se camisolas, desenhavam-se flores e pássaros que por artes mágicas pousavam em tecidos delicados e faziam-se rendas que debruavam naperons e toalhas de mesa muito belos. Mas não se cobriam sapos de Bordalo Pinheiro com rendas de croché nem nenhum se metamorfoseou em Príncipe. Terá possivelmente Joana Vasconcelos encontrado inspiração no conto de fadas A Princesa e o Sapo na versão mais conhecida dos dias de hoje contada pelos irmãos Grimm. Interessada pela diversidade de linguagens expressas através dos tempos, criou também ela uma linguagem própria renovando à sua maneira esse antigo diálogo silencioso entre o pensamento e a arte das mãos, tantas vezes pintado em telas de pintores e retratado nas personagens de livros. A vida não se perde, transforma-se. Talvez seja esta uma das mensagens que Joana Vasconcelos queira transmitir. Se é irreverente por nos provocar de forma original a reflexão sobre situações aparentemente imutáveis, aprecio o método de que se serve.

M

3 comentários:

Anónimo disse...

Para alguma coisa serve a Filosofia que aqui entrelaças muito bem com a realidade. Como disse lá, fez-me olhar autrement o que, em princípio e normalmente, não aprecio.
B

Justine disse...

É uma notável reflexão sobre o trabalho de JV e sobre a arte em geral, M.
Viste para além dos gostos pessoais, que é coisa que eu habitualmente não faço...

Isabel disse...

Gosto de muitas das obras da Joana Vasconcelos, mas outras não (como o helicóptero). Ela é talentosa.
Gostei da tua reflexão.

Beijinhos:))