segunda-feira, 28 de junho de 2021

AVEC LE TEMPS...

Foto de M
 
Luz na escuridão. Duas fitas douradas no tempo. A enfeitar o cabelo ou debrum de vestido leve. Um tempo que encarquilha. Também nas capas dos livros, como este, mas não lhe tiro as rugas. Esteve entre outros, semiescondido numa das prateleiras da estante. Há dias resolvi pô-lo ali em evidência, a caixa por cima, gosto de vê-los juntos, paisagens humanas que me comovem, nem sei bem explicar por que razão me deu agora para os fixar tanto sempre que olho os vários objectos que moram na minha estante. O livro pertenceu à minha Tia Chanel, uma edição de 1934, tem a sua assinatura na primeira página, 1940 a data assinalada. Não sei se o comprou, onde, se o encomendou directamente de França, se lhe foi oferecido pelos seus 46 anos, por quem, quando o leu, nem sequer me lembro de alguma vez o ter visto em nossa casa. Apenas sei que tem dentro um simples papelinho escrito à mão, de 1985, dedicado à sua sobrinha neta: “… para quando ela souber francez!”. A sua sobrinha neta não será capaz de o ler, é de uma geração onde o ensino do Inglês impera, o Francês caiu em desuso a nível mundial, infelizmente não conhece a beleza desta língua. Eu tive sorte na minha juventude, mais horas de aprendizagem, e uma excepcional professora de Francês no liceu, malgré não ser ela pessoa para brincadeiras. Demasiado austera, não esqueci o seu nome nem o que me ensinou. Li há dias pela primeira vez o livro encarquilhado, as folhas manchadas, imaginei a minha Tia absorvida em cada página, a história encantou-me, bem sei que pertence a uma época determinada, mas o tema de base parece-me inesgotável, apenas vai mudando o modo de o tratar. Aliás, li O Pequeno Lorde em português quando criança, e A Princesinha, da mesma autora, oferecido pela minha Mãe num dia em que eu estava de cama, doente com uma qualquer habitual doença infantil, estou a ver a cena e a minha satisfação a recebê-lo. Pertenciam ambos à Colecção Azul, assim como Memórias de um Burro, o único de que gostei da Condessa de Ségur, odiei todos os seus outros livros.

Para o que me havia de dar… vá-se lá explicar este contínuo passeio pelas prateleiras da minha vida.

M

3 comentários:

Anónimo disse...

Impossível deixar de ver e sentir a dança do tempo, e do pensamento, nestas deambulações pelas prateleiras, a tia Chanel com as suas preciosidades reflectidas no presente. Tu ne peux pas t'énnuier avec ses souvenirs. Je t'embrasse.
B

Mónica disse...

Memórias encadeadas. Gostei do recado da tia Chanel.

Justine disse...

Avec le temps, va, tout s'en va! Ficam as memórias e os objectos que lhes dão corpo...